ISBN: 978-85-63552-15-0
Título | POÉTICAS DA ALTERIDADE: UM OLHAR SOBRE OLHARES DE JOÃO MOREIRA SALLES |
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Autor | ANA LUCIA DE ALMEIDA SOUTTO MAYOR |
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Resumo Expandido | Na contemporaneidade, as “escritas de si” – compreendidas como modos singulares de registros de um “eu” – têm atravessado os mais distintos campos do saber, notadamente o universo artístico, materializando-se em múltiplos objetos estéticos, por meio das linguagens da literatura, das artes plásticas, da dança, das artes cênicas, do cinema. Assumindo formas como relatos autobiográficos, textos poético-ensaísticos, páginas de diários, impressões fragmentadas, as “escritas de si” configuram-se como estruturas discursivas nas quais as fronteiras entre a “experiência real” do sujeito e a ficcionalidade de sua(s) representação(ões) se tornam porosas, fazendo com que a memória adquira um papel decisivo na remontagem de “estilhaços existenciais” daquele que se reencena, diante de si mesmo e do mundo.
Em suas tendências contemporâneas, o documentário tem assumido feições bastante particulares, na medida em que a imagem documental hoje pode ser tomada como uma articulação expressiva de textura e sentidos múltiplos, não se limitando, em absoluto, a um apanhado de informações acerca de uma dada realidade. Nesse sentido, é possível concordar com Guy Gauthier quando , ao tratar da natureza do documentário, constrói suas reflexões no tensionamento entre “a coisa vivida e a invenção”: “essa ideia fixa e permanente de captar – capturar a vida em sua fonte, deve se adaptar,de todo modo,à estranha alquimia da criação: escolhe-se o que se filma (ou então se fia, como nas tentativas extremas de câmera cega, na escolha pelo acaso, sempre sorrateiramente orientada); organiza-se na montagem. (...) Em suma, o que o espectador percebe da vida, mesmo registrada em sua fonte mais íntima, deve passar pelo duplo filtro de uma visão subjetiva e de um dispositivo mais propício ao sonho do que à atenção crítica (GAUTHIER, 2011). Um dessas tendências manifesta-se por meio de situações, pessoas, lugares que fazem parte do universo particular do cineasta, ao contrário da opção mais “tradicional” da escrita documentária, qual seja a de preservar a distância entre o diretor e seu objeto fílmico. A escolha pelo familiar, muitas vezes, permite ao cineasta imprimir inflexões bastante intimistas à matéria narrada, potencializando a exploração de procedimentos poéticos na apresentação do universo a ser mostrado – quase sempre, nesses casos, um “espelho transverso” de um “eu que se espia” ao “espiar o mundo”, em seus enquadramentos particulares. Nas palavras de Diana Klinger, “é verdade que toda contemplação da própria vida está inserida em numa trama de relações sociais, e portanto todo relato autobiográfico remete a um ‘além de si mesmo’. (...) todo relato de experiência é, até certo ponto, expressão de uma época, uma geração, uma classe. Não é possível se pensar em um eu solitário, fora de uma urdidura de interlocução” (KLINGER, 2012). Este trabalho propõe-se a investigar dois documentários de João Moreira Salles – “Santiago” e “Nelson Freire” -, partindo do cotejo entre estratégias discursivas engendradas sob a potência da memória, nos “estilhaços poético-existenciais” de “Santiago” e sob o intimismo dos percursos da “câmera-música” do cineasta, ao captar sonoridades improváveis de um pianista e sua arte, em “Nelson Freire”. A partir da exploração das tensões entre o biográfico e o documental, o gosto e a memória, encontradas nessas duas obras, pretende-se pôr em questão as “escritas de si” de João Moreira Salles, flagrando as dobras poéticas de seu olhar na escrita do documentário, como ele mesmo a problematiza: “para um documentarista, a realidade que interessa é aquela construída pela imaginação autoral, uma imaginação que se manifesta tanto no momento da filmagem como no processo posterior de montagem.” (SALLES, 2005). |
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Bibliografia | COMOLLI, Jean-Louis. Ver e poder: a inocência perdida: cinema, televisão,
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