ISBN: 978-85-63552-15-0
Título | O vídeo na arte contemporânea: a grande parataxe e o arquivo sem fundo |
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Autor | Carla Miguelote |
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Resumo Expandido | O trabalho investiga a articulação entre o verbal e o visual em práticas videográficas de artistas brasileiros contemporâneos (sobretudo Laura Erber e Leila Danziger). Trata-se de pensar o vídeo como um paradigma dos modos de se fazer arte na contemporaneidade, e particularmente dos modos de articular palavra e imagem. Para isso, recorremos ao conceito de grande parataxe, proposto pelo filósofo francês Jacques Rancière.
No domínio da gramática, do qual o termo é oriundo, a parataxe significa a justaposição de frases sem conjunção coordenativa. Rancière amplia o domínio de aplicação desta noção, para pensar a “grande justaposição caótica, de uma grande mistura indiferente das significações e das materialidades” (RANCIÈRE, 2012, p. 54). Ou seja, a grande parataxe é a justaposição não apenas de elementos lingüísticos, mas de sistemas sígnicos diversos. Rancière reconhece em Jean-Luc Godard o uso exemplar da potência paratáxica, particularmente em História(s) do cinema - não por acaso uma obra elaborada em vídeo. Diferentemente do cinema, no qual o modo ficcional sempre foi dominante, o vídeo desde cedo enveredou para a experimentação, a pesquisa, o ensaio. Livre das imposições da narrativa, da soberania do texto e de sua função dirigente sobre a construção imagética, o vídeo experimentou novas relações entre a palavra e a imagem, consolidando uma estética na qual elementos verbais e visuais agenciam, a cada obra singular, seus modos próprios de falar e calar, “seus poderes de apresentação sensível e de significação”. (RANCIÈRE, 2012, p. 45) Também não por acaso o modelo da potência paratáxica vem de uma obra que repensa a história. Recusando a história como narrativa ficcional, o vídeo incorpora a história como destino comum – história do cinema, como fez Godard, mas também história da arte, da cultura e de todo o amplo espectro do tecido social, dos grandes fatos políticos aos pequenos acontecimentos cotidianos e domésticos. Nesse sentido, pode-se dizer que, por um lado, o vídeo contrapõe, à construção imagética guiada pelo discurso, uma composição na qual palavras e imagens são entrelaçadas e tomadas em conjunto; por outro, ele opõe, ao encadeamento lógico e causal das ações na história, a desordem empírica da História. Essa incorporação da história (como destino comum) pelo vídeo vem sendo potencializada pelas novas tecnologias digitais. Com as facilidades de edição e mixagem eletrônicas, o vídeo faz uso muito facilmente da “Loja/Biblioteca/Museu infinito” de que fala Rancière, esse banco de dados anárquico e ilimitado que encontra sua imagem mais concreta no acervo global disponibilizado pela internet. A mídia digital não apenas incorporou todas as outras, apagando as fronteiras e diluindo todas as especificidades, como possibilitou a criação daquilo que chamamos de “arquivo sem fundo”, no qual objetos culturais de todas as naturezas e de todos os tempos e lugares encontram-se disponíveis. Ora, o vídeo mergulha muito facilmente nesse arquivo, extrai dele algumas unidades e as reelabora. Nesse sentido, pretende-se investigar a estética videográfica a partir da hipótese de que ela oferece importantes vetores de análise para a arte contemporânea, mesmo nas produções que não utilizam o suporte. Com efeito, muitos pesquisadores têm apontando, na produção artística mais recente, um número crescente de práticas que de algum modo perpassam o arquivo. Destacam-se, nesse âmbito, diversas modalidades de apropriação de imagens alheias, de obras e documentos da história da arte e da história em geral. O que talvez não tenha merecido tanta atenção é o fato de essas práticas artísticas buscarem indiscriminadamente, no arquivo, materiais visuais e verbais. Não é mais a pintura que dialoga com os quadros do passado, não é a literatura que envereda por diálogos intertextuais. São obras híbridas, intermidiáticas, que incorporam e justapõem signos flutuantes, que perpassam todas as artes e mídias. |
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Bibliografia | DANZIGER, Leila. Todos os nomes da melancolia. Rio de Janeiro: Apicuri, 2012.
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