ISBN: 978-85-63552-15-0
Título | Tatuagem borrada |
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Autor | Geisa Rodrigues |
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Resumo Expandido | Em Tatuagem, 2013, de Hilton Lacerda, destaca-se uma carga afetiva proporcionada pelas performances corporais e artísticas inseridas na trama narrativa, que cumprem a função de criar uma espécie de contraponto ao rigor do período político em que a trama se insere, no ano de 1978. O enfoque dado ao corpo e à temática da liberdade sexual em tais sequências desvela uma estratégia para configurar um lugar de resistência e afirmação durante o regime militar. Trata-se, entretanto, de uma abordagem contemporânea, pautada em perspectivas políticas posteriores. Não seria a escolha da ambientação de um momento político que se revela uma ferida ainda em fase de cicatrização, aliada à carga afetiva dos corpos em cena uma tentativa de reafirmar a potência do corpo e da sexualidade, direcionando-a para perspectivas atuais?
O presente trabalho visa, portanto, investigar formatos de figuração de resistência política no cinema contemporâneo brasileiro. Parte-se aqui da hipótese de que Tatuagem explora a potência dos “corpos fora da norma” por meio da figuração de “afetos nômades”, no sentido atribuído ao termo por Deleuze e Guattari em Mil Platôs. Os estudos dedicados ao gênero inspirados em tais perspectivas teóricas, como os de Rosi Braidotti, servirão de base para a investigação proposta. Braidotti aponta o nomadismo como uma forma produtiva de resistência na contemporaneidade e observa que este se trata de um tipo de consciência crítica que resiste a uma normatização, a lugares estabelecidos e formas fixas de comportamento (1994, p. 5). O sujeito nômade é visto como uma forma de resistência aos microfascismos a que somos submetidos, na lógica atual de poder. Celebrando o uso político de formas nômades de arte e escrita, Braidotti considera o devir nômade para além da representação ou da reprodução, mas “proximidade enfática, intensa interconexão.” (BRAIDOTTI, 1994, p. 5). Se o filme em questão não se insere num formato não tradicional em termos narrativos, as apresentações artísticas que o permeiam cumprem a função de proporcionar rupturas e transgressões no eixo dramático. Trata-se também de cenas em que as sexualidades são expostas a partir da noção de identidades em movimento, que não se atrelam à substância corpo, mas aos afetos e desejos, capazes de instaurar não identidades, mas singularidades. Podemos destacar, por exemplo, a sequência do primeiro contato do jovem soldado Fininha com o universo do “Chão de estrelas”. O espectador é convidado a compartilhar do fascínio e do deslumbramento do personagem, cuja vida foi, até então, devidamente delineada no filme em contraposição à vida livre e criativa da dupla de protagonistas Clécio e Paulete. Esta sequência se fecha com a apresentação de Clécio, que o espectador acompanha pelas “costas” de Fininha. Os jogos de olhares, aliados à interpretação de “Esse cara” e ao corpo travestido, maqueado e barbado de Clécio privilegiam a carga afetiva e o desejo que nasce daquele contato. Ao mesmo tempo, borram e confundem os limites da sexualidade. Marcia Arán encontra uma função positiva para a perspectiva deleuziana da transformação via afetos, por prever uma potencialidade para a homossexualidade de “se abrir para uma perda de identidade”. A autora observa os aspectos produtivos em Anti-édipo e em Mil platôs, em que “diferença e sexualidade não são pensadas a partir da ideia de filiação ou de dualidade sexual, e sim como um processo de “afetação‟ e “contágio” (ARÁN, 2003, p. 86). Baseada em referências de Deleuze à homossexualidade, em que sugere que se leve em conta a transversalidade das relações homossexuais e sua capacidade de promover uma micro-política do desejo (2003, p. 86-87), Arán sugere um potencial referente ao próprio processo de exclusão a que a homossexualidade foi submetida. Não seria esse tipo de potencialidade, por meio também do deboche e do escracho, que se tenta resgatar e trazer à tona em Tatuagem? |
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Bibliografia | ARÁN, Márcia. Políticas do desejo na atualidade: o reconhecimento social e jurídico do casal homossexual. Lugar Comum: estudos de mídia, cultura e democracia, nº21-22, Julho-dezembro 2005. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro. P. 73-87.
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