ISBN: 978-85-63552-15-0
Título | Por um real-imaginário: fotografia contemporânea e formas de duração |
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Autor | Laila Melchior Pimentel Francisco |
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Resumo Expandido | Uma parcela considerável das práticas artísticas contemporâneas se caracteriza pela dissolução dos gêneros. A noção de ensaio, por exemplo, já associada à escrita e a um tipo de fazer cinematográfico cruza as fronteiras em direção à fotografia permeando a prática de inúmeros fotógrafos. Este trabalho se debruça sobre a obra de três deles: João Castilho, Alexandre Sequeira e Alessandra Sanguinetti, sendo o ponto em comum entre as operações destes artistas a exploração das possibilidades de um discurso indireto livre no campo da fotografia por meio de uma experimentação ligada ao imaginário e a dimensão afetiva do processo de feitura da imagem.
Como apontou Gilles Deleuze (2005), o cinema documental tradicional punha em funcionamento o mesmo modelo de verdade dos filmes de ficção, adequando sujeitos e objetos numa convenção que entendia por “objetivo” o que a câmera vê e “subjetivo” o ponto de vista da personagem. No filme tradicional esses dois tipos de imagem corroboravam uma narrativa tida como verdadeira e verossímil. Esta é a lógica que supõe indivíduos bem delimitados e sujeitos separados por suas competências. De um lado o cineasta, dono da voz e da câmera capaz de ver sua personagem e também tudo aquilo que esta pode ver; do outro lado, a personagem com sua vista subjetiva. A crítica desse modelo de veracidade narrativa implicaria uma lógica em que o estatuto do “objetivo x subjetivo” é posto em questão. Tornam-se assim duvidosos os limites identitários da personagem e do cineasta. No campo do cinema de real, Deleuze destaca os filmes de Jean Rouch e Pierre Perrault, onde personagens reais se põem a fabular a despeito da opressão do colonizador e do lugar que este lhes reservou. A linguagem das imagens faria sua crítica do modelo de veracidade encontrando um campo de outros possíveis na criação de uma forma de discurso indireto livre que abole qualquer distinção clara entre a visão subjetiva da personagem e a visão objetiva da câmera. A câmera, então, pode adquirir a potência maquínica: uma visão simultaneamente subjetiva e interior, que entra em relação de simulação da maneira de ver da personagem numa subjetividade indireta livre. Assim como nos filmes de Rouch e Perrault, artistas como Castilho, Sequeira e Sanguinetti constituem suas práticas artísticas como ocasião de dar a ver uma outra parcela da realidade, uma parcela imaginada, anterior e posterior ao próprio sujeito. Suas imagens são construídas na intimidade de uma relação, mediadas por afetos ou pela simulação da imagem como recurso de intervir no real. Tais elementos, outrora explorados pelo cinema, agora firmam terreno numa prática fotográfica ensaística. O exercício de fabular e criar “imagens de suas próprias lendas”, como coloca Deleuze, permite forjar outras possibilidades de real. Como ferramenta de aproximação do outro, a subjetividade indireta livre permite também à fotografia tornar porosas as fronteiras em que a tradição de um discurso de “objetividade” separou vistas objetivas e subjetivas. Trata-se de uma fotografia que cria seu próprio referente em comunidades alternativas e que não ancora as identidades de maneira definitiva. Aqui “eu é um outro”, como na fórmula de Rimbaud. No trabalho de cada um desses artistas a aproximação afetiva com determinado grupo vai pautar diferentes abordagens documentais que passam por dispositivos de simulação e fabulação. A dimensão performática dos corpos empenhados em uma função imagética suscita a aproximação com o conceito de imagem-fábula deleuziano, apontando para vistas diretas do tempo. A forma de subjetividade indireta livre dessas imagens faz da prática fotográfica essencialmente uma mediação, abrindo espaço a encontros-acontecimentos. Assim a imagem fotográfica supera o instante, e diz respeito à duração de uma relação, às outras temporalidades da imagem fixa e a máquinas de produção de subjetividades entre o real e o imaginário. |
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Bibliografia | CASTILHO, João, DAVID, Pedro, MOTTA, Pedro. Paisagem Submersa. São Paulo: Cosac
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