ISBN: 978-85-63552-15-0
Título | Apontamentos acerca da escritura fílmica de Diary, de David Perlov |
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Autor | Carla Italiano |
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Resumo Expandido | Quando "viver" a vida e registrá-la em filme são ações que, de tão próximas, parecem amalgamadas, como apontar onde uma termina e a outra começa? O estaria implicado nessas escolhas? Partindo desses questionamentos, a presente proposta tem por intenção abordar as particularidades da escritura fílmica de David Perlov em Diary (1983), por meio das imbricações entre arte e “práxis" da vida suscitadas pelo filme. Para isso, investigaremos os atravessamentos entre a trajetória biográfica do autor e uma dimensão mais ampla de coletividade, especialmente a partir do modo de criação diarístico da obra e das implicações da condição de estrangeiro a que pertence Perlov.
David Perlov é considerado hoje um dos pioneiros do cinema moderno israelense e um dos realizadores de maior visibilidade do país, ainda que seus filmes caminhassem na contracorrente do cinema fomentado pelo Estado Israelense da época. O cineasta atravessou diversos contextos e países antes de transformar sua vida em matéria constitutiva de Diary, filme captado entre 1973 e 1983 e dividido em seis partes de uma hora cada. Embora radicado em Israel desde a década de 1960, Perlov é de origem brasileira, tendo nascido no seio de uma família de imigrantes judeus no Rio de Janeiro. Na idade adulta mudou-se para Paris, onde iniciou os estudos artísticos (que contemplavam a pintura antes da passagem para o cinema), até mudar-se para Tel Aviv, residindo ali até seu falecimento em 2003. A trajetória biográfica de Perlov não figura somente como forma de melhor contextualizar o diretor, tornando-se também substrato para sua obra. Em Diary, situações próprias a um âmbito íntimo - como acontecimentos familiares, viagens às cidades do passado, encontros com amigos -, aliam-se ao desejo explícito de filmar pessoas desconhecidas, olhar através da janela, captar as “imprevisíveis agitações” do cotidiano (BLUHER, 2011). Maurice Blanchot afirma que o diário pode ser identificado quando o que se escreve se enraíza "no cotidiano e na perspectiva que o cotidiano delimita”, imbuído de certo caráter de insignificância, onde a escrita surgiria como forma de "salvar os dias" (BLANCHOT,1984:270). Como o próprio título indica, Diary estabelece relação próxima com o diário, onde eventos do dia a dia de Perlov são filmados, comentados e concatenados a fim de constituírem um filme enquanto obra de arte autônoma, destinada à exibição pública, em oposição a imagens que permanecem como um arquivo pessoal de caráter estritamente doméstico - em suma, um "filme-diário" (JAMES, 2013). Derivado do viés autobiográfico do filme, um dado adquire importância central: a situação de exílio como impulsionadora para a escrita fílmica e diarística, intimamente relacionada ao diário como forma de proteção contra um esquecimento. Edward Said discorre sobre essa condição afirmando que "o pathos do exílio está na perda de contato com a solidez e a satisfação da terra: voltar para o lar está fora de questão" (2003:51). No caso de Perlov, o exílio estaria associado a uma constante sensação de não pertencimento, a todo momento reiterada no filme por meio de sua narração. A condição de estrangeiro em exílio concretiza-se aqui quase “de dentro para fora” na maneira com que um contexto mais amplo que diz respeito a uma coletividade (como os eventos da história de um país), surge a partir, e através, de uma esfera individual e doméstica, não sem antes ganhar uma materialidade fílmica. Trata-se, enfim, de um cinema "menor”, para utilizar o termo de Kafka retomado por Giles Deleuze e Félix Guattari (2003). Não um cinema de menor importância, mas um que existiria à margem de certo modo hegemônico de pensar, circular e se relacionar com o mundo vivido. Um filme que, por meio de um engajamento reflexivo e político sobre a vida e o fazer cinematográfico, permite um constante deslizamento do mundo externo para o ambiente doméstico, através de uma imbricada relação entre diário e cotidiano, imagem e memória. |
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Bibliografia | BLANCHOT, Maurice. O livro por vir. Trad. de Maria Regina Louro. Lisboa: Relógio d'Água, 1984.
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