ISBN: 978-85-63552-15-0
Título | Formas da experiência em O que resta do tempo, de Elia Suleiman |
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Autor | Maria Ines Dieuzeide Santos Souza |
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Resumo Expandido | De acordo com Walter Benjamin – especialmente nos ensaios reunidos no volume 1 da edição brasileira das Obras Escolhidas (1987) –, a experiência autêntica não tem mais lugar no mundo moderno. O que sobrou foi a vivência imediata, ou a experiência do corte, que mina no homem a capacidade de narrar. O Narrador, aquele capaz de transmitir experiências a partir de uma memória e uma tradição comuns, é figura em extinção.
Por outro lado, a reflexão sobre os modos de viver e de narrar a experiência ganham espaço fundamental no campo das investigações teóricas hoje: “(…) a inserção dos objetos artísticos e midiáticos no cotidiano tem provocado, já há bastante tempo, toda uma reflexão sobre a experiência no mundo moderno e contemporâneo. Afinal, esses mundos são os que mais oferecem obstáculos à experiência” (GUIMARÃES, LEAL, MENDONÇA, 2006: 8). Mas como caracterizar essa experiência e, principalmente, como transmiti-la? É com essa pergunta que nos debruçamos sobre o cinema de Elia Suleiman. Aqui, nos concentraremos no filme “O que resta do tempo” (2009), o último da trilogia composta ainda por “Intervenção Divina” (2002) e “Crônica de um desaparecimento” (1996). O filme está calcado na própria biografia do diretor, que tem como cenário constante o histórico conflito entre árabes e israelenses. Palestino nascido e criado em Nazaré, auto-exilado de sua terra natal, Suleiman se coloca quase sempre como personagem principal de seus filmes, confundindo a figura do diretor/ator/personagem. Ainda que retrate uma zona de conflitos, o diretor resiste à espetacularização da ocupação, buscando nos absurdos naturalizados a coreografia da banalidade cotidiana, os elementos que podem dizer algo sobre a cena política que o cerca. De acordo com o diretor, “se um uruguaio está vendo o meu filme, e se identifica com a história de Fouad no filme, então aí é onde eu acredito que eu tenha propagado uma experiência, uma universalidade de algum tipo, o que eu acho que é para que serve o cinema” (SULEIMAN em HAIDER, 2010: 2. Tradução nossa). Do que se trata então a experiência a que se refere Suleiman? Que tipo de narrador contemporâneo é esse? Apesar de todas as características levantadas por Benjamin, continua existindo uma tentativa de, na narração de uma história pessoal, tentar se atingir experiências e dimensões políticas que dizem respeito a toda uma comunidade (que talvez já não se caracterize por fronteiras geográficas). É sob esta perspectiva que queremos pensar o cinema de Elia Suleiman. Como lembra Jeanne Marie Gagnebin (2007), ainda que Benjamin pareça bastante nostálgico na escrita de O Narrador, há ali uma tentativa de suscitar novos modos de lidar com essa experiência do mundo moderno (e agora contemporâneo). Há um aspecto fundamental nos textos de Benjamin, uma preocupação que o acompanha em muitos de seus escritos, que é a questão da escrita da história, que “remete às questões mais amplas da prática política e da atividade da narração” (GAGNEBIN, 1987: 7). Assim, compreender as práticas narrativas da contemporaneidade é fundamental para também compreender as posturas e atividades políticas possíveis diante das formas de organização do mundo. É pensando nisso que vemos o cinema de Elia Suleiman como objeto privilegiado de análise. Os traços estilísticos de sua obra enfatizam as dificuldades de comunicação (silêncios) e de representação. O interesse nos episódios mundanos, organizados de maneira repetitiva e pouco explicada, resulta em fragmentos que não constituem uma continuidade narrativa clara, oposta talvez, numa primeira leitura, ao Narrador identificado e lembrado por Benjamin. Com esse embate entre os conceitos benjaminianos e o cinema produzido por Suleiman, esperamos ver surgir novas concepções que contribuirão para a compreensão das formas do cinema hoje, enquanto fazer político. |
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Bibliografia | BENJAMIN, Walter. Illuminations. Essays and reflections. Tradução: Harry Zohn. New York: Schocken Books, 2007.
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