ISBN: 978-85-63552-15-0
Título | A construção dos personagens na trilogia de Paul Morrissey |
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Autor | Lucas da Silva Bettim |
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Resumo Expandido | Este trabalho investiga a construção dos personagens dentro da filmografia de Paul Morrissey na Factory e sua relação com os temas abordados nessas obras, especialmente em relação a questões de representação de gênero e de assuntos caros ao cinema underground da época, com foco na trilogia Flesh (1968), Trash (1970) e Heat (1972).
Paul Morrissey nasceu em Nova Iorque e começou a colaborar com Andy Warhol em seus experimentos cinematográficos na Factory em 1965, aos 27 anos. Famosa por suas festas, por ser um lugar de experimentação sexual e uso de drogas, a Factory era o lugar onde Warhol realizava seus eventos sociais e artísticos, inclusive sua produção cinematográfica. Após ser alvejado pela feminista radical Valerie Solanas, em 1968, o envolvimento de Andy Warhol nos filmes produzidos pela Factory diminuiu expressivamente. Paul Morrissey assumiu então oficialmente a direção das produções, lançando no mesmo ano Flesh, o primeiro filme de sua trilogia, seguido por Trash e Heat. Esteticamente, os filmes ainda carregavam muitas das características dos primeiros filmes da Factory: atuação improvisada, ausência de roteiro, trabalho mínimo de câmera e retrato do estilo de vida libertino e letárgico dos personagens. Sexo, drogas e prostituição são assuntos chave na trilogia de Morrissey. Sua estética, temática e uso de elementos estranhos ao público em geral até então, como a superexposição do nu masculino e personagens femininos interpretados por travestis, funcionam como prenúncio do que viria a ser o Novo Cinema Queer, que emergiu nos anos 1980 e 1990. Longe de glorificar tais temas, os filmes de Morrissey criticam o falso glamour das drogas e mostram a tragédia do auto-abuso destrutivo e vazio existencial. No entanto, não há culpas nem culpados, constituindo algo de burlesco em vez de trágico. Os três filmes apresentam o sex symbol underground Joe Dallesandro no papel principal. Em Flesh, Joe é um michê que trabalha para sustentar sua namorada e seu filho; Trash traz Dallesandro interpretando um viciado em drogas envolvido com a travesti Holly; Heat pode ser considerado um remake atualizado de Crepúsculo dos Deuses (Billy Wilder, 1950), com Joe Dallesandro no papel de William Holden e Sylvia Miles como Norma Desmond. O excesso de nudez explícita, principalmente de Dallesandro, contrapõe-se ao certo recato e à falta de erotismo no retrato das relações sexuais, quase sempre ilustradas de forma degradante. Joe é um objeto passivo diante de uma atenção voyerística predatória, assumindo o lugar de mercadoria ora atraente, ora repulsiva. Os filmes de Morrissey eram rodados com baixo orçamento, em pouco tempo e com direção aos atores mínima. Mesmo contando com uma estrutura mais ortodoxa e com narrativas mais convencionais, o diretor afirma que aplica em seus filmes técnicas para contar histórias modernas e casuais, afastando-se do cinema clássico e seus roteiros normalmente presos a fórmulas e convenções. Ao tentar retratar o vazio da liberdade contemporânea, Morrissey lança mão de planos longos e estáticos e diálogos improvisados intermináveis, muitas vezes sem intenção explícita na narrativa, o que deixa o tempo diegético de cada cena dilatado e mais próximo ao tempo "real". Muitas vezes interpretados por não-atores, os personagens tendem a ter os mesmos nomes de quem os interpreta. Para Morrissey, o grande mérito dos seus [não]atores é que estes atuam próximos a suas realidades. Em um lugar que pode aproximar-se do documentário, as narrativas de Paul Morrissey eram baseadas em pouca intervenção da direção e muito improviso dos atores. |
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Bibliografia | CURTIS, David. Experimental cinema : a fifty year evolution. London : Studio Vista, 1971.
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