ISBN: 978-85-63552-15-0
Título | Já visto jamais visto: um filme de filmes ou o desejo de memória |
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Autor | Roberta Veiga |
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Resumo Expandido | Na Socine de 2012, apresentávamos uma caracterização provisória do cinema brasileiro atual a partir das formas de aderência do sujeito ao mundo. Ali, apontamos um eixo forte no interior dessa caracterização no qual o gesto político das obras “está na singularidade nos modos como as formas de vida, se não enfrentam nem contestam, conformam a existência num mundo possível” (VEIGA, 2012:36). Tais obras, apesar de documentais - como A falta que me faz, de Marília Rocha ou Terra deu terra come, de Rodrigo Siqueira - ou ficcionais - como O céu sobre os ombros, de Sérgio Borges e Avenida Brasília Formosa, de Gabriel Mascaro -, se inscreviam numa relação sempre deslizante entre documentário e ficção. Nesses últimos filmes, a aderência se dá através de uma “estreita contigüidade com mundo vivido”(BRASIL e MESQUITA, 2012: 231), e “a forma se mostra disponível ao mundo, se modula por ele e o modula em mútuo e imanente engendramento”(2012: 234). Fazendo frente a essa vertente cinematográfica, que dá continuidade a um realismo “de presença” (André Bazin) -, identificamos aqui outro segmento no qual o presente vivido dá lugar a figurações do passado. Trata-se de uma reflexão sobre a relação entre memória e história através, principalmente, do uso de registros heterogêneos – arquivos, testemunhos, (re)encenações – que fazem da montagem, não mais uma passagem epidérmica, mas uma operação visível capaz de estabelecer descontinuidades entre passado e presente. Nesse segmento de filmes, que se dobram sobre o passado, percebemos dois grupos: aqueles que se colocam um “dever de memória” (Nora, 1983), cujas dramaturgias trazem claramente questões históricas – como O som ao redor, de Kleber Mendonça, A cidade é uma só?, de Adirley Queirós – e os que partem do que chamo “desejo de memória”, que se fundam em uma escrita de si e evocam em maior ou menor grau uma outra história – como Diário de uma busca, de Flávia Castro; Elena, de Petra Costa; e Já visto jamais visto, de Andrea Tonacci. Nossa discussão se volta a esse segundo grupo. Em que medida é pertinente a esses filmes dizer de um desejo e não de um dever de memória? De quais estratégias temporais esses filmes se valem para alcançarem, através de uma história pessoal, uma outra, aberta ao comum?
Em detrimento da aposta numa volta ao passado, seja através de (re)encenações de acontecimentos, re-visitações a lugares do passado, ou do uso excessivo de arquivos domésticos, como vemos em Diário de uma busca e Elena – que traçam uma continuidade temporal ao narrativizar um tema familiar – Já visto jamais visto sugere uma relação com o passado marcada pela distância, pelo não pertencimento, justamente em função da indiscernibilidade entre o eu, o cineasta e o cinema. Tonacci é menos personagem de uma narrativa pessoal do que o próprio cineasta que coloca seu gesto em perspectiva ao (re)ver seus filmes. A memória é um desejo do cinema, na esteira de Pierre Nora, um lugar onde o eu nunca habita. Já visto jamais visto é um filme feito de filmes, feitos e inacabados, ficcionais, documentais e caseiros, daí sua dimensão ensaística híbrida e aberta. A hipótese é de que a natureza desses rastros de um tempo e a conjugação deles fazem da força criativa do filme, para lembrar Mondzain, um entre (imagens e sujeitos), e um fora, o extracampo. Força essa que nos permite refletir cinematograficamente sobre a história como uma operação sempre incompleta do que não existe mais. Nesse sentido, nossa proposta é investigar as formas de relação entre o familiar e o histórico em Já visto jamais visto, a partir da especificidade dos registros e, de como dela se depreende certas opções formais (de enquadramento e montagem) e estratégias (não)narrativas. O objetivo é pensar a diferença entre o dever e o desejo de memória que caracterizaria uma forma de escrita autobiográfica; a concepção cinematográfica que subjaz ao gesto ensaístico unindo as camadas visuais e temporais; e o pensamento historiográfico que aí se instaura. |
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Bibliografia | BAZIN, André. O cinema: ensaios. São Paulo: Brasiliense, 1991.
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