ISBN: 978-85-63552-15-0
Título | A montagem na construção da voz e da memória em "Os dias com ele" |
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Autor | ana rosa marques |
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Resumo Expandido | Atualmente, nos campos da produção e reflexão sobre o documentário tem se destacado obras que se criam processualmente e que valorizam as experiências vividas em cena. São filmes que buscam fertilizar-se pelas forças do imprevisto e procuram o encontro com o outro e com a vida. É o que vemos em Os dias com ele (2013), de Maria Clara Escobar, filme no qual a cineasta entrevista o pai, o ex-preso político, dramaturgo e filósofo Carlos Henrique Escobar sobre o passado traumático dos tempos da ditadura e sobre a própria história de ambos. No entanto o pai recusa-se a dar respostas para a filha propondo outros rumos para o filme. Assim, o documentário é tecido neste duplo embate: ele não quer fazer o filme proposto por ela e ela não quer fazer o filme sugerido por ele.
O filme é composto por diversos materiais: entrevistas com o pai, imagens do cotidiano da casa onde ele vive em Portugal e imagens de arquivo de outras famílias. Interessa-nos aqui saber como a montagem articula essas imagens e sons e participa na construção da voz no documentário e a constituição da memória em suas dimensões vividas ou inventadas. A proposta da análise justifica-se como uma tentativa de discutir o papel da montagem com um referencial teórico menos dualista, diferente daquele em que a relação com o filme se dava através de conceitos como real versus imagem, opacidade versus transparência, ou vivido versus imaginado. Sem se entrincheirar em binarismos, Os dias com ele apresenta uma montagem que busca equilibrar-se entre a organização e ordenamento da experiência vivida e uma interpretação/expressão dessa experiência. Primeiramente temos aqui uma montagem que testemunha e discute um encontro feito de muito embate. Os momentos de preparação da cena, as dúvidas, os tempos mortos, a negociaçao das questões, os ajustes para a realizacao do filme, a possibilidade do fracasso são elementos que permanecem e são refletidos na montagem. O que seria restos, ruídos, torna-se objeto e questão do filme. A negociacao com o outro que se instaura na experiência vivida é crucial na montagem e vai compor a voz desse filme. Aplicando o conceito de voz elaborado por Bill Nichols (2005), queremos investigar se a montagem permanece sensível as idéias, à presença e ao corpo do outro, mas ao mesmo tempo consegue estabelecer uma distância e um gesto crítico em relação ao seu material. Entendemos, conforme aponta o pesquisador Cezar Migliorin (2009), que a busca pelo encontro na cena documental não é garantia de uma enunciação mais democrática se não estiver aberta à convivência da diferença. A dimensão da invenção está presente neste filme, mas numa aplicação diversa daquela do mundo da ficção, que se subordina à inspiração de um artista. Intercalando as entrevistas , há sequências que nos mostram o dia a dia do que foi esse encontro entre pai e filha. Nelas vemos o pai lendo jornais, cochilando na sala de casa, dialogando com sua atual mulher e seu filho mais novo, o seu aniversário, seus gatos, etc. São momentos importantes que nos fazem imaginar uma relação e os afetos em jogo entre os dois personagens desta história. A imaginação também está presente no uso das imagens de arquivo. Numa reportagem televisiva ou num documentário clássico, o arquivo é adotado como recurso para ilustrar ou comprovar um fato histórico. Apropriando-se de imagens de filmes de outras famílias, aqui o arquivo faz parte de um processo em construção, permeado de lacunas e fissuras, para junto com as lembranças relatadas nas enrevistas, tentar constituir e imaginar uma memória que não se tem, pois aborda uma experiência que não foi vivida pela diretora. Aqui nos apoiamos nas teorias de Georges Didi-Huberman, no livro “Imagens apesar de tudo”, voltado à discussão do arquivo e sua relação com a montagem e com a memória. |
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Bibliografia | BRASIL, André. A montagem no cinema brasileiro. Disponível em:
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