ISBN: 978-85-63552-15-0
Título | O Pátio e o Nada: Glauber Rocha e os seus princípios cinematográficos. |
|
Autor | Rubens Luis Ribeiro Machado Júnior |
|
Resumo Expandido | Às vezes, falando de filmes brasileiros, soa acolhedora a ideia de pasmaceira. Essa palavra é usada repetidas vezes com uma beira de humor, ao acercar-se de contemplações sem objetivo explícito. Nestas ocasiões, ao pronunciá-la, se acentua na expressão uma familiar distinção, algo reticente, que parece nos convidar a uma sideração particular. Sua ressonância talvez traga um eco de exigência normativa do espírito de objetividade, ao qual nos habituamos sem perceber, na sensibilidade mais positivista da vida cotidiana, marcada pelo ponto de fuga onipresente da ordem, e do progresso. A noção aventada pelo termo permite uma democrática sensação ambígua, pensamos na pasmaceira habitual de filmes nacionais se desenvolvendo e frutificando inopinadamente - tanto na mais simples inépcia da mise en scène quanto na virtude construtiva de nossos melhores cineastas!
Antes dos 20 anos de idade, entre 1957 e 1959, Glauber Rocha realizava em Salvador O Pátio, seu 1º trabalho cinematográfico, até hoje pouco debatido. É um filme estranho. E parece construído para ser estranhado. Traz aquele claro desígnio da obra disposta de modo a ferir sensibilidades, no espírito que permitiu às vanguardas artísticas abrigar de bom grado à palavra de ordem épater la bourgeoisie. Dar conta do pouco que é narrado como ação dramática convencional requer uma descrição do que acontece em seu lugar, ou do que não acontece, do que tem lugar como acontecimento. O pátio é uma plataforma cercada de Natureza. Da vegetação próxima que a cerca, ao horizonte marítimo que se abre, vemos às vezes a transição de baías e pouca aglomeração urbana, prédios, chaminés, fábricas ao longe. Circundado desta paisagem predominantemente natural, o tabuleiro ocupa posto privilegiado de mirante, sem que os seus ocupantes se interessem pela contemplação que ele nos proporciona. Ocupado unicamente pelo casal, que ali chegaria de mãos dadas, depois de alguns planos já tê-los antecipado ali, este chegar dos já chegados, desdramatizado como sequenciamento de ações numa espécie de anticoreografia, O Pátio possui, entretanto algumas coordenadas mínimas de desenvolvimento, até à conclusão, em que o casal se retira subindo escadaria ao fundo. Em resumo, numa dança bem estática, conluio recôndito de amores ou desamores, o casal entrega-se à modorra da esplanada, como a um tempo livre entediante, em metafísica da estagnação viciosa, na qual o cenário natural se proporciona ao construído, como num berço esplêndido do Nada. Tal como no tédio burguês, o nada é construído, é o espaço engendrado no tabuleiro alegorizando uma cultura dominante, enclausurante. Esplanada é aqui alegoria de terreno construído para o domínio da natureza e da vida social. O mesmo tabuleiro quadriculado ressurge no Terra em Transe como espaço palaciano do colapso populista, é o Palácio do Governo de Alecrim, cenário brechtiano da Renúncia, e da Campanha de Vieira. Espaço palaciano contraditório, posto que a céu aberto, como falsa praça. Esplanada, termo empregado na mesma época no projeto de Brasília, foi o mesmo que no romance O Guarani, Alencar ambienta os encontros de Ceci e Peri. Cenário romântico inspirado na plataforma-mirante não das sedes de fazenda coloniais, como a paliçada anti-índios do romance, mas das fortificações portuguesas do litoral: posto de comando, vigília e lugar de reunião - única possível praça no mundo-colônia. Há por fim ali o mal-estar sartreano com o ostracismo amoroso relegado à cultura burguesa da condição colonizada. A mudez d’O Pátio pode ser vista como um estridente Entre quatro paredes, sem paredes! Como se articula o inferno deste isolamento na Esplanada da fortaleza colonial à sensação construída do desalento, da preguiça, tratada nos inícios de Canaã, de Graça Aranha, ou no refrão de Macunaíma, de Mário de Andrade? Fariam parte da mesma melancolia tropical destilada desde os albores da vanguarda literária moderna, presente ainda na música de Villa Lobos; ou dos tropicalistas; ou bossa nova? |
|
Bibliografia | Britto, J.M. Contradições do homem brasileiro. Rio: Tempo brasileiro, 1964.
|