ISBN: 978-85-63552-15-0
Título | Cinema e Fenomenologia ou pela redescoberta de uma certa tradição teór |
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Autor | Julio Bezerra |
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Resumo Expandido | A fenomenologia provou ser uma rica base a partir da qual se desenvolveram variadas análises a respeito do cinema ao longo dos anos 40 e 50. Em um sentido mais elementar, a fenomenologia não é apenas uma corrente de pensamento que prioriza determinadas ideias e princípios, mas um modo de reestruturação da maneira de posicionarmos os problemas teóricos como um todo, não colocando o ente em seu ser, e sim procurando acompanhá-lo em seu próprio campo de manifestação. Maurice Merleau-Ponty, um dos grandes nomes desta corrente filosófica, já havia acenado para as diversas afinidades entre cinema e fenomenologia. E ela, em pouco tempo, atrairia nomes como Andre Bazin e Amédée Ayfre, que, inspirados pela emergência do neorealismo italiano, se voltariam para a metade realista da imagem cinematográfica. Michel Mourlet, Roger Munier e, posteriormente, Jean Mitry, tendo como base outras filmografias, também recorreriam à fenomenologia, em uma discussão sobre a imagem dentro de suas relações com o objeto do qual é imagem, sobre o que essa relação seria capaz de manifestar e que significados ela irradiaria.
Ao longo deste processo, ganham destaque discussões sobre a essência do cinema, a maneira como pensamento e coisa, exterior e interior são capturados na mesma textura, a proposição ontológica que as imagens põem em movimento, o papel do espectador, a capacidade de um registro do cotidiano, do contingente, do mundo em seu incessante devir... É nítida a presença do pensamento fenomenológico nas raízes e nos desdobramentos de cada uma dessas questões. Quando vão ao cinema, os autores de inspiração fenomenológica se movem em uma tentativa de descrever o valor e “a importância que todos sentimos em determinados momentos do cinema” (Andrew, 2002: 202). Eles compartilham uma certa primazia concedida ao plano imediato da vida, considerada como fundante e originária. Este ponto em comum se expressa na própria estrutura da experiência, encarada como contendo uma dimensão pré-reflexiva ou não discursiva que tem uma riqueza e uma complexidade particulares, e cuja ordenação linguística de significados é incapaz de superar. Embora tenha exercido enorme influência em muitos campos, a fenomenologia tornou-se, contudo, pouco visível na teoria do cinema a partir dos anos 60. Espremida entre dois períodos de fortes e díspares cargas ideológicas (o realismo do pós-guerra e as rupturas desconstrutivistas), a corrente filosófica de Merleau-Ponty acabou sendo jogada para escanteio em meio à transição da era do cineclube para a universidade. Além disso, no momento em que o estudo do cinema era oficialmente sancionado pelo sistema universitário francês, os partidários mais brilhantes deste diálogo entre filme e fenomenologia, Bazin em 1958, Merleau-Ponty em 1961 e Ayfre em 1963, já haviam falecido, prematuramente, e aos poucos foram relegados a um longo período de ostracismo, quando não considerados como posições a serem superadas. A hipótese maior que move esta apresentação é a de que a fenomenologia pode ser explorada como uma ferramenta valiosa no embate com o cinema. Ao buscar um reencontro com um contato mais ingênuo entre as formas, as cores, os planos, os movimentos e o que expressam para nós, o que se irmana em nós; ao desconstruir essas camadas de significados para poder reconstituí-las, no próprio filme, em seu fluxo e refluxo; ao nos convidar e/ou nos impor a vivência de uma experiência, uma espécie de partilhamento do olhar sobre as experiências dos personagens que existem naquele mundo constituído em filme, a fenomenologia nos faz vislumbrar maneiras diversas de nos relacionarmos com o cinema. O nosso objetivo, portanto, é travar, com ajuda de um alguns filmes contemporâneos, uma espécie de redescoberta desta tradição por muito tempo negligenciada, destacando uma de suas questões mais recorrentes: a ontologia. |
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Bibliografia | ANDREW, J. Dudley. As principais teorias do cinema: uma introdução. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.
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