ISBN: 978-85-63552-15-0
Título | Esculpir a dança no espaço da tela |
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Autor | Beatriz Morgado de Queiroz |
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Coautor | Icaro Ferraz Vidal Junior |
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Resumo Expandido | O presente trabalho investigará as relações entre corpo e imagem a partir das obras Tarantism, de Joachim Koester (2007) e Wake, de Eiko & Koma e James Byrne (2011), atravessados por uma lógica das intensidades presente em noções oriundas da filosofia de Gilles Deleuze, Gilbert Simondon e José Gil.
Tarantism é um filme no qual um grupo de pessoas aparece dançando em movimentos descoordenados e de aparência espasmódica e convulsiva, inspirado em um mito italiano segundo o qual a picada de tarântula estaria associada a sintomas como náusea, delírio e excitação, que só seriam expurgados através da execução compulsiva desta dança. O dispositivo de registro de Koester dá a ver o intervalo entre o devir-animal (Deleuze, 1997) dos corpos em cena e o que seria sua reprodução fílmica. Os movimentos não codificados dos corpos inscrevem-se na imagem como presença e não como representação (deixam rastros que excedem as fronteiras do corpo individuado na película); e o regime espectatorial agenciado pelo dispositivo não representa um transe, mas é, ele próprio, vertiginoso. Em Wake, vídeo da dupla de coreógrafos Eiko & Koma e do videoartista James Byrne, vemos micromovimentos corporais, herdados da dança Butô, através de uma câmera que não privilegia os movimentos humanos em detrimento das adjacências do corpo, marcadas por uma paisagem primitiva que também se micromovimenta. Filmado na “living installation" Naked (2010), Wake excede um mero registro de performance. A câmera, integrada ao corpo de Byrne, se aproxima e percorre a paisagem formada por fragmentos de penas, folhagens, palha, terra e os corpos da dupla, organizando visualmente uma experiência que poderíamos, a partir de Simondon (1964), pleitear como pré-individual. O que Wake dá a ver é a pura manifestação de forças sutis que antecedem a cristalização em determinada forma ou ser individuado, o que é obtido através da criação, pelo vídeo, de uma zona de metaestabilidade. Os sutis movimentos do corpo-paisagem que emerge em Wake dão a ver organizações provisórias do corpo, suscitando devires-moleculares, que escapam a uma visão a priori do corpo. Assim como no devir-animal suscitado pelo veneno da tarântula, neste trabalho, corpos tornados imagem instauram zonas de indiscernibilidades, que devemos analisar à luz das relações de movimento e repouso, de velocidade e lentidão que as aproximam do que estão em vias de se tornarem. O excesso de movimento em Tarantism e sua escassez em Wake, sob uma aparente oposição, nos ajudam a vislumbrar uma zona compartilhada pelos dois trabalhos que, desdobrando o pensamento de José Gil, tentaremos situar na superfície dessas imagens. Gil chama de zona um espaço paradoxal, transcendental (e) artístico. Desdobrando este conceito, Gil menciona os diagramas desenhados pelas coreógrafas Mary Wigman e Trisha Brown para reivindicar que eles “não indicam apenas os trajectos dos bailarinos em cena, mas as projecções abstratas dos movimentos do corpo no espaço paradoxal: são também (e ao mesmo tempo) movimentos do pensamento (coreográfico) que desposa os movimentos do corpo” (GIL, 2001, p. 168). Em Tarantism, uma força centrífuga atua sobre corpos imprimindo neles tamanha velocidade de movimentos que se tornam inapreensíveis ao espectador, embora em muitos momentos estejam inteiramente inscritos nos limites da tela. Assim, poderíamos dizer que há uma tensão entre o corpo e sua imagem. Este mesmo desencontro é produzido na experiência de Wake, pois os corpos, embora efeito de uma tensão de forças cuja resultante é centrípeta, jamais são apreendidos pelos deslocamentos mínimos da câmera-corpo de Byrne na sua inteireza. Em ambos os casos, a imagem técnica nos dá a ver a orientação das forças que integram o campo de sensações e afetos no qual a dança é dançada mas, mais do que isso, ao desfigurar os corpos humanos, permite apreender as linhas e planos traçados no espaço paradoxal de que falava Gil. |
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Bibliografia | DELEUZE, Gilles. A imagem-movimento: cinema I. Lisboa: Assírio & Alvim, 2009.
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