ISBN: 978-85-63552-15-0
Título | Três suposições sobre a adversidade no documentário |
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Autor | marcelo pedroso holanda de jesus |
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Resumo Expandido | Sugiro um recorte sobre a natureza das relações que um documentarista pode desenvolver com as pessoas que filma a partir de dois polos em princípio distintos, identificados como regimes de conformidade e de adversidade. Trata-se de uma espécie de propensão do ânimo do realizador, que pode ter efeito momentâneo ou duradouro, mas que o guia em geral no gesto fundador do filme. Por conformidade ou adversidade, eu não entendo uma disposição de simpatia ou antipatia do documentarista em relação aos sujeitos filmados. Não se trata de gostar ou não gostar da pessoa com a qual o realizador vai se relacionar. É preciso olhar para os conceitos a partir da proposição de uma zona de convergência ou divergência que envolveria as subjetividades das partes ligadas pela realização do filme.
Diferenciando conformidade de cumplicidade, proponho que os documentários em adversidade se constituem a partir de um paradoxo fundador baseado na necessidade de encontrar um arranjo conciliável entre duas forças em princípio opostas: de um lado, a propensão do realizador à adversidade para com os sujeitos filmados e, de outro, o imperativo da cumplicidade entre as partes que se impõe à realização da maioria dos filmes documentais. O que leva à primeira suposição, segundo a qual o documentário realizado a partir de uma inclinação adversativa do realizador para com os sujeitos que filma opera necessariamente dentro de um regime de excepcionalidade porque o imperativo da cumplicidade implica numa determinação conformativa do ânimo do documentarista à racionalidade de ordem policial do sujeito filmado. Para chegar à segunda suposição, proponho uma relação entre o processo de montagem no documentário e o conceito de poder definido por Marilena Chauí como o "polo no qual a sociedade simboliza para si mesma o modo como trabalha com suas divisões internas" (2010, p. 270). Evoco também a normatização ética no documentário apresentada por Bill Nichols, para quem o cineasta precisa proteger o sujeito filmado de possíveis efeitos negativos do filme em sua vida (2008, p. 36-37). Se agir eticamente com relação aos personagens se baseia no quanto o realizador é capaz de, embora numa posição de poder durante a montagem, restituir uma dimensão de cumplicidade com aqueles que filmou, a configuração de um campo ético no regime adversativo vai sempre estar condicionado ao paradoxo da própria definição deste tipo de documentário. Assim, a segunda suposição em torno da adversidade sugere que os filmes realizados neste regime não são, como poderia parecer, antiéticos em princípio, mas a ética em que são produzidos deve ser observada em função não apenas da normatividade ética que se impõe em cada contexto histórico aos documentários realizados em conformidade, mas também a partir dos termos do arranjo que o diretor deve executar para superar o paradoxo da natureza constitutiva do próprio filme e que reside na necessidade de conciliar sua inclinação mesma à adversidade com o imperativo da cumplicidade enquanto agenciadora das relações no documentário. Por fim, chego à terceira suposição examinando dois possíveis sentimentos que movem o documentarista ao filmar pessoas em adversidade: os desejos de combater e compreender os personagens, conforme apresentados por Jean-Louis Comolli (2008, p. 126). A terceira suposição afirma que, ao colocar-se, num regime de interação reflexiva, enquanto polo positivo da relação com aquele que localiza em situação de adversidade, o documentarista deve necessariamente supor a também positividade do polo que lhe é adverso pois ambos se fundam sobre a premissa da reciprocidade da condição adversativa, de onde decorre que os dois se constituem num patamar de igualdade. Logo, é justamente por funcionar a partir de uma polarização homogênea que eles continuam a se repelir exatamente na mesma medida em que se admitem iguais - o que, portanto, não exclui a natureza adversativa do documentário em questão. |
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Bibliografia | AMBLAR, Marie-Claire (Org.), Filmer l’ ennemi?, in: Images documentaires, Paris: BPI, 1995.
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