ISBN: 978-85-63552-15-0
Título | Moldes e modulações: dois filmes de Maria Augusta Ramos |
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Autor | Hannah Serrat de Souza Santos |
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Resumo Expandido | A partir das análises de "Justiça" (2004) e de "Juízo" (2007), de Maria Augusta Ramos, buscamos traçar paralelos entre as maneiras de filmar e as diferentes abordagens utilizadas por cada filme, ambos interessados em documentar as rotinas de instituições jurídicas no Rio de Janeiro. O primeiro filme registra algumas audiências no Tribunal de Justiça e documenta a dinâmica institucional e as relações de poder que ali operam. Para isso, ele acompanha, de maneira observacional e distanciada, percursos cotidianos tanto de funcionários do Tribunal quanto de réus junto a seus familiares, acolhendo esses sujeitos como seus personagens e acompanhando-os, muitas vezes, fora da sala de audiência. "Juízo", por sua vez, interessado nas experiências de menores infratores, registra audiências na Vara da Infância e da Juventude. No entanto, quando, por determinação da lei brasileira, jovens menores de 18 anos não podem ter seu rosto exposto no filme, a diretora pede que adolescentes não-infratores, provenientes da mesma realidade social, os representem, reconstituindo suas falas e encenando suas passagens pelo instituto de detenção Padre Severino. A partir da montagem, o filme alterna, entre plano e contra-plano, as imagens dos jovens infratores e não-infratores.
Propomos investigar, em "Justiça" e "Juízo", tanto as articulações dos corpos e dos espaços na composição das cenas, no interior dos quadros e dos planos fílmicos; quanto como essas articulações se compõem no todo dos filmes através da montagem, buscando apreender as diferentes configurações formais dos textos cinematográficos e seus desdobramentos. Além disso, buscamos entender como traços e procedimentos documentais e ficcionais são partilhados no interior de "Juízo" e que tipo de efeitos e de alterações a ficção produz na maneira com que os corpos se inscrevem e se constituem nas cenas. Se analisamos os filmes juntos, percebemos que em ambos, muitas vezes, os enquadramentos (sempre fixos e estáveis) parecem aderir às disposições do visível próprias das Instituições filmadas quando, por exemplo, as cenas das salas de audiência se amparam numa organização anterior dos corpos no espaço ou quando, no interior da penitenciária (especialmente em "Justiça"), as imagens das celas nos lembram aquelas das câmeras de vigilância. No entanto, observamos que em "Juízo", quando o filme se constitui aberto à encenação dos jovens "atores", ele parece libertar-se de um amparo contínuo nas disposições e nos mecanismos de controle institucionais a que os filmes pareciam se aderir. Apesar de se ater a semelhantes escolhas de enquadramento e montagem de "Justiça", "Juízo" não se restringe a representar a rotina habitual e repetitiva tal como se percebe no primeiro filme, revelando novas perspectivas sobre a vida dos sujeitos filmados. O registro dos fluxos dos corpos que atravessam o espaço da instituição, então, dá lugar à atenção aos próprios jovens, a seus movimentos e gestos. Sendo assim, analisamos de que maneiras alguns procedimentos de "Justiça" acabam por ressoar no filme subsequente e em que medida a entrada da ficção neste filme inscreve diferenças entre eles. Nesse sentido, entendemos que, a partir da participação dos jovens “atores”, "Juízo" se torna, paradoxalmente, mais poroso ao real e sensível àquilo que as Instituições não podem conter ou pré-roteirizar: as singularidades. Acreditamos que a mise-en-scène do filme, diferentemente de "Justiça", já não produz, com os jovens que reconstituem as cenas, uma simples aderência àquela da Instituição, mas processos de subjetivação e relativa resistência ao poder disciplinar. |
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Bibliografia | AGAMBEN, Giorgio. O que é um dispositivo? In: ______________. O que é o contemporâneo e outros ensaios. Chapecó: Argos, 2009.
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