ISBN: 978-85-63552-15-0
Título | Passado Anacrônico e Distopia no Cinema de Peter Watkins (1964-1974) |
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Autor | Antonio André de Morais Neto |
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Resumo Expandido | Peter Watkins (1935-) é um cineasta britânico conhecido por filmes que situam-se nos fronteiras entre a ficção e o documentário, pressionando ambos os limites, mesclando-os e confundindo-os. Há uma predileção por temas ligados à história e a projeções (caóticas) de um futuro próximo. O trabalho aqui apresentado têm como foco os 6 filmes lançados entre 1964 e 1974: Culloden (1964), The War Game (1965), Privilege (1967), Gladiatorerna (1969), Punishment Park (1971) e Edvard Munch (1974). No seu cinema, o diretor mobiliza dispositivos como “falsas entrevistas”, nas quais um telejornalista entrevista, com microfone e câmera de vídeo, personagens que viveram no século XVIII ou no XIX. Outro recurso utilizado é o da referência visual explícita a algum fato presente, como em Culloden, no qual uma pilha de corpos dos soldados jacobitas é filmada de forma a se parecer com as imagens veiculadas pela televisão sobre a guerra do Vietnã (1955-1975). Estes anacronismos são utilizados com o intuito de gerar estranhamento, afastando a experiência estética da transparência do cinema clássico. É comum também os atores e atrizes olharem fixamente para a objetiva, rompendo o tabu de que olhar para a câmera é um “erro”, transformando este ato em mais um recurso de desnaturalização. A relação com o elenco também é diferente do modelo hollywoodiano, na qual os atores/atrizes têm pouca margem de ação. Dentro da perspectiva de Watkins, os atores são co-participantes de quase todo o processo criativo, muitas vezes com autonomia para escrever seus diálogos. Além do mais, ele tinha a preferência de trabalhar com atores não-profissionais selecionados nos lugares em que os filmes seriam gravados, como em Culloden, com os descendentes dos revoltosos escoceses vencidos, ou mesmo na distopia Punishment Park, em que os atores tinham a mesma visão social e engajamento político dos seus personagens. Nesse sentindo, seu documentário se aproxima do que o historiador do cinema, Robert Rosenstone, chamou de “drama inovador ou de oposição”, que se caracteriza por ser autoreflexivo em relação à sua própria feitura, ter uma multiplicidade de pontos de vista, problematizar as narrativas hegemônicas, não buscar um significado absoluto no passado, e assumir o presente como o locus de toda construção histórica. Para compreender sua visão da história também se faz necessário uma aproximação com a filosofia da história de Walter Benjamin, na qual a questão do conhecimento histórico não pode ser desligada da luta libertária no presente. Destacam-se, igualmente, as categorias para pensar o tempo histórico de Reinhart Koselleck, “espaço de experiência” e “horizonte de expectativa”, que são úteis para problematizar as noções de futuro ou passado como inexoravelmente ligadas ao presente. A distopia, segundo Russell Jacoby, foi uma forma de expressão engendrada após a decadência da ideia de progresso, e por mais tenha sido apropriada pela crítica liberal de maneira a associar qualquer mudança radical como tendo resultado a distopia, este gênero narrativo foi nos seus primórdios ligado intrinsecamente à esquerda, como fica explícito nas biografias dos principais artífices desta forma de expressão, como J. London, G. Orwell, A. Huxley (e aqui se insere P. W.), nos quais em nenhum momento a distopia surge como uma anti-utopia. O realizador sempre evoca como temas centrais das suas narrativas a crítica ao autoritarismo e a crescente falta de compromisso com uma sociedade aberta dos meios de comunicação de massa, assim como as possíveis consequências disso: a catastrófica da guerra nuclear ou a instauração do fascismo. Por fim, penso que os filmes de Watkins são um lugar privilegiado para problematizar o entrelaçamento entre as representações do passado (e do futuro) com o presente, tanto através dos conteúdos quando da forma cinematográfica (sempre inseparáveis), na qual rompe tanto com os padrões da ficção e do documentário tradicionais quando com uma concepção política autoritária. |
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Bibliografia | AUMONT, Jacques; MARIE, Michel. A Análise do Filme. Lisboa: Texto e Grafia, 2009.
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