ISBN: 978-85-63552-15-0
Título | A Ditadura e Cinema brasileiro recente: O Trauma e o seu Testemunho. |
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Autor | Maria Noemi de Araujo |
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Resumo Expandido | Filmes brasileiros recentes, envolvendo figuras afetadas por violências cometidas pelo Estado, trazem a ideia de Testemunho como determinada possibilidade de elaboração do trauma. O conceito freudiano de repetição nos permitirá discutir os filmes “Elena” e “Os dias com ele” como testemunhos de dor, luto, e de efeitos do trauma produzidos pela Ditadura. Estes filmes, ao dialogar com os de Lucia Murat, Eduardo Coutinho e Renato Tapajós, problematizariam o estatuto do Testemunho tal como proposto por Primo Levi.
A psicanálise, assim como a arte, e cada uma a seu modo, apresentam alternativas para que o sujeito saia do silêncio, dando à sua dor outro destino. Assim, a palavra e a criação de diferentes objetos possibilitam a cada sujeito o enfrentamento, a organização e a simbolização do trauma. Em “Além do princípio do prazer” (1920), no âmbito da discussão do conceito de repetição, no sentido da segunda morte, enquanto morte simbólica, Freud faz referência à representação do poema épico “Gerusalemme Liberata” (Torquato Tasso, 1581), em que Tancredi mata sua amada Clorinda por duas vezes, sendo a segunda simbólica. No poema, na ópera ou na pintura, esse mito é considerado um dos mais comoventes retratos poéticos de um destino. Sua representação cinematográfica repercute no “Sétimo selo” (Ingmar Bergman, 1956). A noção de Testemunho literário inventada por Primo Levi, visando que não se repita ou não seja esquecida a violência dos campos de concentração, foi apropriada pela Psicanálise de orientação lacaniana nos anos 1960, como um “dispositivo” discursivo que possibilite ao próprio psicanalista falar a seus pares acerca do seu processo analítico. Em processos de reconceituação, ou reapropriação de conceitos, a noção de filme-testemunho será aqui pensada como dispositivo, usado para discutir efeitos do ato de violência cometido pelo Estado de Exceção brasileiro (1964-85) que afetam as figuras implicadas no discurso, sejam elas a do produtor da violência, a do realizador do filme, do seu narrador ou do seu personagem. Retomando a ideia foucaultiana de dispositivo como estratégia de poder e de saber, Giorgio Agamben recolocou o uso dessa noção como processo de subjetivação para tratar questões do contemporâneo. Os filmes “Elena” (Petra Costa, 2013) e “Os dias com ele” (Maria Clara Escobar, 2012) enfocam aspectos de dor, luto ou trauma. Como filhas de brasileiros que resistiram à Ditadura, essas realizadoras, nascidas nos anos 1980, escolheram o cinema para tratar da memória, do não-dito, ou do silenciado na família e no plano social. Assim aproximam laços de família, tragédias individuais e políticas, não só pelo que é mostrado, mas também por aquilo que é dito “en passant” ou silenciado, como a questão da clandestinidade, e suas consequências na vida pessoal. O material de arquivo dá suporte à construção da dramaticidade destes filmes, na articulação de Memória e de Cinema: fotos, filmes Super-8, sons, escritos, documentos oficiais e histórias orais. Como uma “tarefa paradoxal de transmissão e reconhecimento da irrepresentabilidade”, esses filmes falam daquilo que “justamente, há de ser transmitido porque não pode ser esquecido” (Gagnebin, 2006). Para a Psicanálise, importa aquilo que é da ordem da impossibilidade de tudo dizer, ou seja, sempre ficaria um resto: o que fazer com isso? Não por acaso, nesse cinema se pode identificar um traço daquilo que seus precursores - Lúcia Murat (Que bom te ver viva, 1989), Renato Tapajós (Corte seco, 2014), Eduardo Coutinho (Cabra marcado para morrer, 1984) - inventaram nos seus respectivos filmes-testemunho proporcionando um continuar vivendo após a experiência traumática com a Ditadura. Nossa estratégia é usar tais filmes como contrapontos na análise comparativa dos filmes de Petra Costa e Maria Clara Escobar, indicando a complexidade do modelo estético construído e suas diferentes dimensões psíquicas e políticas. |
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Bibliografia | Adorno, T.W. “O ensaio como forma”, Notas de literatura I. São Paulo: Ed.34, 2003.
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