ISBN: 978-85-63552-15-0
Título | A fratura exposta: o acontecimento traumático na narrativa fílmica |
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Autor | Arthur Fernandes Andrade Lins |
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Resumo Expandido | Em grande parte do cinema contemporâneo percebemos uma certa recusa ao modelo de narrativa clássica baseada em uma série de acontecimentos que culmina em um clímax e no desfecho da ação narrada. Esses filmes investem no ordinário como potência do presente, primando por uma atitude documentarizante que contamina a ficção e cria um elo de atração com o espectador.
Como ressaltam André Gaudreault e François Jost (2009), “a atitude documentarizante encoraja então o espectador a encarar o objeto representado como um “ter-estado-lá”, para retomar a expressão de Roland Barthes a propósito da fotografia (BARTHES, 1964, 47).” Eles complementam ainda que a imersão temporal na experiência cinematográfica transforma este “ter-estado-lá” em “estando-lá”. Esta atitude nos parece fundamental nos três filmes aqui abordados, pois em todos os casos existirá um momento na narrativa que irá alterar a posição do espectador, que deixa de ser observador das ações narradas, para se tornar cúmplice do personagem central ou testemunha de um acontecimento traumático. Em Sangre, acompanhamos a rotina do personagem central que nada nos parece de extraordinário até o momento em que sua filha adolescente que mora distante reaparece e pede para morar com ele e sua esposa. Quando ele vai visitá-la em um quarto de hotel, ele se depara com o seu corpo caído no chão e logo constata que ela cometeu o suicídio. Essa cena, que pensamos como cena traumática da narrativa, muda todo o estado de banalidade e rotina ordinária que vinha sendo construída até aquele momento. Em Um estranho no lago, o acontecimento traumático transforma o lugar idílico em que homens buscam o sexo e o erotismo em outros homens, em um lugar de crime e acontecimentos suspeitos. Quando o protagonista Franck opta em ficar até mais tarde contemplando o lago, ele torna-se a testemunha de um assassinato cometido pelo homem que ele sutilmente deseja. Vemos essa cena do ponto de vista de Franck, o que nos transforma subitamente em testemunhas do crime. O filme, que até esta cena se desenvolve como uma exploração e uma observação minuciosa daquele espaço e dos personagens que lá frequentam, transforma-se então num filme de investigação, ecoando fortemente o cinema hitchcockiano, o que evidencia um novo rumo estético assumido pelo filme a partir de então. Em A mulher sem cabeça, de Lucrecia Martel (Argentina, 2008), esse acontecimento traumático é uma das primeiras sequências do filme, mas a tensão criada a partir desse momento é tão grande que irá contaminar toda a narrativa, estabelecendo um clima fantástico mesmo nas situações mais corriqueiras mostradas ao longo do filme. Pensamos que este ponto traumático identificado nestes filmes expõe uma fratura na narrativa e adensa a nossa percepção, pois adiciona camadas de incerteza e tensão, criando uma atmosfera de estranhamento que contamina as outras sequenciam aparentemente banais. Por traumático, nos referimos a definição médica do termo, ou seja, uma lesão produzida por ação violenta que gera consequências locais e gerais na estrutura e funcionamento do organismo. Pensamos aqui como essa definição pode ser adequada à estrutura das narrativas estudadas. Tendo como base os estudos de narratologia, pretendemos desenvolver essas ideias pensando como essa estrutura baseada no trauma é construída tendo em vista os outros encadeamentos dessa mesma narrativa. Podemos estar próximos a um clímax construído sutilmente e quase imperceptivelmente diante de nossos olhos, ou ao contrário, quanto maior a possibilidade de choque e estranhamento provocado no espectador maior seria a sua eficácia interna. |
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Bibliografia | GENETTE, G. O discurso da narrativa. Lisboa: Vega Universidade, 1995.
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