ISBN: 978-85-63552-15-0
Título | OFilme documentário encurralado entre o "dispositivo" e a autobiografi |
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Autor | Marcius Freire |
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Resumo Expandido | A tão proclamada crise de representação vivida pelas ciências humanas nas últimas décadas tem levado suas disciplinas a buscarem caminhos alternativos ao impasse em que estas se julgam enredadas. Não sendo este o tema que aqui nos interessa, vamos ao encontro de um personagem que, mesmo não sendo unanimidade no campo, tem sido um aliado dessas disciplinas na missão que se atribuíram de explicar a sociedade dos homens: o filme documentário.
Até muito recentemente, por volta dos anos 1960, o documentário tinha como um de seus modelos mais inspiradores o filme de ficção. As limitações instrumentais próprias da época, como câmeras mecânicas que autorizavam apenas planos de alguns segundos, a ausência do som sincronizado, impunham restrições às escolhas do cineasta e estimulavam essa influência, uma vez que poucos eram os realizadores que à atividade de cineasta juntavam a de pesquisador em ciências humanas. Tínhamos, assim, filmes resultantes mais de uma preocupação estética do que de um real interesse em transmitir ao espectador uma compreensão efetiva da continuidade espaço-temporal da manifestação observada. Como dizia Colin Young, a condensação operada por esse tipo de filme dá uma certa concisão à apresentação e tira do espectador todo desejo de proceder a uma análise mais aprofundada. O trabalho já foi feito em seu lugar pelo cineasta. Por isso os acontecimentos aparecem mais coerentes ou mais racionais do que provavelmente eles eram na realidade”. No começo dos anos 1960, os equipamentos 16 mm se miniaturizam, o som sincronizado aparece e um outro tipo de documentário antropológico nasce; ele deixa de ser “dirigido” para ser “direto”, nas palavras de L. Marcorelles. As pessoas filmadas passam a se exprimir diretamente para o espectador, a falar por elas mesmas e a interferir na construção do objeto que as retrata. Nos anos 1970, esse caminho foi ampliado mais ainda com o advento do vídeo e, atualmente, com os suportes digitais. Com efeito, tais recursos, com sua maleabilidade, sua grande autonomia e sua capacidade de restituir imediatamente às pessoas filmadas suas próprias imagens, abriram novas perspectivas no estudo do homem através das imagens animadas. O sistema de veiculação, de divulgação dos produtos engendrados a partir dessas novas tecnologias também foi ampliado. É fato que as televisões do mundo inteiro têm aberto mais espaços para o documentário antropológico e as TVs a cabo que, com seu sistema de assinaturas destina canais para audiências segmentadas. Sem falar na Internet que expandiu de forma exponencial as possibilidades de acesso a toda sorte de conteúdo. Assim, tornou-se um mantra do campo apontar a banalização das imagens e sons em que, hoje, o homem moderno se encontra submergido. Para contornar os efeitos nefastos dessa banalização, documentaristas de todos os quadrantes têm recorrido a artifícios cada vez mais engenhosos no intuito de atribuir às suas obras os traços distintivos que as demarcariam das tantas outras com as quais disputam a atenção do espectador. Em assim fazendo, encontraram na herança do Jean Rouch de “Jaguar”, “Moi, um Noir”, “La pyramide humaine”, “Chronique d’um été”... a chave com a qual abriram uma caixa de pandora que, nos dias de hoje, invade as telas das salas de festivais: o filme de “dispositivo”. Mas, que papel desempenham esses filmes no contexto das ciências sociais? De que mecanismos lançam mão para que a “função de conhecimento” de que devem estar imbuídos prevaleça em meios às acrobacias estéticas que, muitas vezes, o “dispositivo” impõe? É sobre essas questões que nossa comunicação irá se debruçar. |
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Bibliografia | Beaujour, Michel, "Miroirs d'encre. Réthorique de l'autoportrait, Paris: Seuil, 1980.
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