ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | Relações étnico-raciais e censura cinematográfica na ditadura militar |
|
Autor | Pedro Vinicius Asterito Lapera |
|
Resumo Expandido | A circulação da produção cultural e artística pela cena pública no Brasil nunca foi um processo pacífico nem despretensioso. Os mecanismos de controle das ideias, que remontam aos tempos coloniais e imperiais, encontraram na República um vasto campo de atuação. Em diversas fases do período republicano, a atividade de censura coexistiu com momentos políticos ora mais abertos, ora mais autoritários.
Em paralelo à ascensão do regime militar advindo do golpe de 1º. de abril de 1964, assistiu-se ao recrudescimento das ações dos órgãos de censura que já existiam no período democrático anterior e, sobretudo,à radicalização dos critérios que decidiriam se determinadas obras deveriam ou não circular publicamente. Este artigo pretende explorar um ponto específico no panorama de atuação da censura: a representação de relações étnico-raciais em alguns filmes brasileiros dos anos 1960 e 70 e a análise feita pelo SCDP (e posteriormente pela DCDP ) ao longo do processo de classificação e liberação ou interdição dos mesmos. Partimos do pressuposto defendido por Guimarães (2002, p. 151-156) de que o regime militar abraçou a doutrina do luso-tropicalismo de Gilberto Freyre e, por conta disso, apresentava grande dificuldade em lidar com narrativas que rememorassem conflitos de ordem étnico-racial e/ou que apelassem a identidades raciais e étnicas na luta política. Por conta da legitimidade cultural e acadêmica do conjunto de ideias defendidas por Freyre – que foi posteriormente nomeado de luso-tropicalismo –tornou-se incômoda a defesa de que situações de preconceitos relacionados à raça e etnia persistiam no cenário brasileiro. Mesmo as pesquisas relacionadas ao projeto UNESCO (realizadas durante os anos 1950),que revelaram desigualdade entre as populações brancas e não-brancas no acesso a diferentes serviços públicos, na habitação, na ocupação de postos de trabalho, não conseguiram abalar a crença de que vivíamos em um país culturalmente heterogêneo, porém pacífico do ponto de vista racial (Chor, 1997). E essa resistência em tratar de questão racial e identidades étnico-raciais migraria para os diferentes campos da cultura, entre eles, o cinema, ao longo das décadas seguintes. Para guiar nosso trabalho, lançamos a seguinte questão: em que medida o Estado – através dos órgãos de censura ou mesmo de outros setores que, por algum motivo específico, intervieram no processo censório – liberou ou censurou a presença de obras que representassem relações étnico-raciais de modo contrário à doutrina do luso-tropicalismo? Nossa hipótese de trabalho é a de que esses filmes foram reconhecidos pela censura como contra-narrativas da nação, no sentido atribuído por Bhabha, uma vez que eles “continuamente evocam e rasuram [as] fronteiras totalizadoras [da nação] – tanto reais quanto conceituais – perturbam aquelas manobras ideológicas através das quais “comunidades imaginadas” recebem identidades essencialistas” (2005, p. 211). Como corpus de nossa discussão, escolhemos quatro filmes brasileiros dos anos 1960 e 70 que abordam diretamente questões ligadas a raça e a etnicidade, assim como fontes secundárias que se remetem a eles (sobretudo processos administrativos e pareceres da SCDP e da DCDP): Macunaíma (Joaquim Pedro de Andrade, 1969), Iracema, uma transa amazônica (Jorge Bodanzky e Orlando Senna, 1974) e Tenda dos Milagres (Nelson Pereira dos Santos, 1976). |
|
Bibliografia | BHABHA, Homi. O Local da Cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2005.
|