ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | A MONTAGEM DE EVIDÊNCIA E A ÉTICA INTERATIVA NO ‘FILME DE FRONTEIRAS’ |
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Autor | Cristiane do Rocio Wosniak |
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Resumo Expandido | Seria tarefa essencial do documentário retratar a realidade? E de que realidade/verdade se trataria? E como justificar a questão da (re)apresentação e/ou encenação, presentes no documentário contemporâneo Pina (2011) de Wim Wenders?
Manuela Penafria posiciona-se em relação a essas questões, em seu texto Em busca do perfeito realismo: “cada vez mais os filmes são menos ficção ou documentário, são filmes de fronteira [...]. Pelo menos até a presente data, nada nos parece suficientemente convincente para considerarmos o filme documentário, o legítimo representante da realidade.” (PENAFRIA, 2005, p. 177-178). Diferentes modos de se pensar-fazer documentário perpassam a configuração dessa linguagem híbrida e de fronteiras borradas. O potencial em aberto/devir na abordagem da existência plausível de um fenômeno, de um fato, insere o documentário em um entre-lugar sensível que, por meio da (re)apresentação, produz diferentes asserções sobre a realidade. No caso de Pina, tratar-se-ia de um modo particular de texto documental, onde a voz real/referente do corpo dançante é (des)continuamente atravessada pela ficção e pela questão da ética interativa wenderiana. Este argumento pode ser corroborado pelo que explica Fernando Ramos: “o novo eixo da valoração ética situa-se na assunção da construção do enunciar. A questão ética se desloca inteiramente para o modo de construir e representar a intervenção do sujeito que enuncia: a ideia é que a construção revele-se ao espectador” (RAMOS, 2008, p. 37). A ênfase na instância discursiva no documentário Pina é dilatada e os procedimentos estilísticos, as diferentes formas de homenagem à pessoa biografada são traduzidos em gestos, movimentos e dança, mas não necessariamente vêm corroborados pela voz da ‘palavra falada’. Os depoimentos/entrevistas concedidas pelos atores sociais do Tanztheater Wuppertal são acompanhados de uma voz-off, enquanto no quadro/cena, os mesmos encontram-se imóveis e calados, em close-up. Nas cenas dançantes subsequentes, os dançarinos ‘falam corporalmente’ e suas vozes transformam-se em uma profusão de depoimentos dançantes. Wenders ao aderir a uma lógica de implicação, adensa o fator (i)lógico ou poético na construção de sua narrativa. Ao optar pela montagem de evidência em detrimento da continuidade, celebra os procedimentos cinematográficos de elipses temporais, jump-cuts e falsos-raccords intensamente presentes no filme de fronteira. Bill Nichols corrobora esta hipótese ao afirmar que, em vez de “organizar os cortes para dar a sensação de tempo e espaço únicos, unificados, em que seguimos as ações dos personagens principais a montagem de evidência organiza-os dentro da cena de modo que se dê impressão de um argumento único, convincente, sustentado por uma lógica...” (NICHOLS, 2012, p. 58). Estes deslocamentos espaciais na narrativa documental podem estar associados ao que Ramos (2008) alude como encenação/locação em oposição à encenação construída. Wenders parece se apropriar da encenação-locação na explicitação de suas vozes dançantes, enquanto ecos de sua própria asserção: sua indexação discursiva propõe diferentes locações onde os atores sociais dançantes dão sustentação ao enunciado do sujeito-da-câmera/enunciador. O cineasta solicita explicitamente, e sem questões antiéticas envolvidas, que o performer, ‘encene seu depoimento’. Que atue enquanto enuncia sua voz. Em outras palavras: “que desenvolva ações [dance seu depoimento] com a finalidade prática de figurar para a câmera um ato previamente explicitado.” (op. cit., p. 42). Com base nos argumentos apresentados em Nichols (1994) e Penafria (1999), concluo que a ação das vozes corporalizadas e dançantes é a (re)apresentação. Nessa instância, os atores sociais encenam em seu ambiente, trechos da história da qual, de fato, fazem parte. Por meio da montagem de evidência e ética interativa, o corpo dançante e depoente, neste filme de fronteira, torna-se uma realidade pela qual a ficção atravessa. |
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Bibliografia | NICHOLS, Bill. Performing documentary. In: ______. Blurred Boundaries: questions of meaning in contemporary culture. Indianápolis: Indiana University Press, 1994 (p. 92-107).
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