ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | A montagem de correspondências em obras de Kieslowski e Tarkovsky |
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Autor | aline lisboa da silva |
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Resumo Expandido | O sistema de montagem de correspondências apresenta, dentre seus principais aspectos, a supervalorização do estilo e da forma em detrimento do conteúdo. Neste tipo de montagem a narração e a demonstração dá lugar à sensorialidade, ocorrendo transformações de ordem formal, rítmica e temporal. É uma espécie de montagem sem recurso narrativo, sem um fio condutor que apresente linearidade exata. Aqui a sensação é preponderante em relação ao ser representado.
Percebe-se a colagem como procedimento estético dominante da montagem de correspondências, baseando-se em um princípio de fragmentação e restauração, longe de conduzir o olhar e estabelecer uma continuidade. Utilizando um princípio de transmissão, que mais sugere do que significa ou conta uma história, a montagem de correspondências funciona como experiência estética sensível e associa elementos longínquos que intencionam expressar a mesma sensação, organizando-se diante de um sistema ambíguo de rimas e correspondências. Em A dupla vida de Veronique (1990), do diretor polonês Krzysztof Kieslowski, podemos perceber a montagem funcionando como efeito estético sensível, a partir do momento em que são dispostas duas trajetórias aparentemente díspares, mas que na verdade convergem diante de uma ligação misteriosa entre as duas personagens, Veronique e Veronika, interpretadas por Irene Jacob, existindo uma separação de até mais de uma hora entre as duas partes do filme. Esse filme de Kieslowski apresenta uma composição aberta da montagem, que apresenta sugestões, provoca sensações e evita, necessariamente, a condução do olhar pela diegese fílmica, ou ainda produz significados através do conflito entre as imagens. Trata-se, neste caso, de ir além da soma de conteúdos entre os planos, já que a intenção é justamente investir nos fluxos transversais, fragmentar o tempo e a ação das personagens e permitir que a sensibilidade ocupe os espaços, fazendo com que o espectador possa fruir diante de composições poéticas da linguagem audiovisual. A estética por correspondências apresenta o ritmo e a rima como elementos característicos em sua estrutura relacionada à forma e ao tempo, como afirma Amiel (2007, p. 114), “as escansões transformam a duração, e os ecos modelam-na de outra forma”. Os cortes não proporcionam saltos temporais, ao invés disso desagregam os fragmentos, possibilitando situações de contradição ou repetições, ir e vir, sem, no entanto, seguir cronologicamente uma linearidade. Em linhas formais, reside uma não proposição de significações, muito menos de continuidade narrativa. A relação espaço-temporal na montagem de correspondências se pronuncia de forma subjetiva, já que remete à percepção do instante e não à duração, de acordo com a ruptura ou o comprimento. Há uma espécie de percepção acronológica em suas articulações visuais e sonoras, coexistindo formas diferenciadas, de organização do fluxo e de sua contradição. Utilizando como exemplo O espelho (1975), de Tarkovsky, podemos notar a relação proposital criada para não se estabelecer um reconhecimento da época, promovendo ao público certa estranheza diante da correspondência entre os planos, o que o diretor vai denominar de pressão do tempo. Uma montagem aberta, sem evidências de significações. Assim se configura a estética por correspondências, que diferentemente da narrativa e discursiva permite ao filme uma ampliação, extensão do horizonte a ser captado pelo espectador. Em suma, devemos aqui ficar atentos a duas particularidades da montagem de correspondências, a fim de compreender sua construção de modo mais contundente. A primeira no que concerne aos fluxos transversais que estão para além da sucessão ou do encadeamento das ações cronológicas de A dupla vida de Veronique (1990) e O espelho (1975); a segunda em relação à estrutura aberta, impregnada de subjetividade através dos elementos que compõem visualmente as obras de Kieslowski e Tarkovsky. |
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Bibliografia | AMIEL, Vincent. Estética da montagem. 1ª edição. São Paulo: Texto & Grafia, 2007.
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