ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | Kiarostami e o cinema do dispositivo |
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Autor | Greice Cohn |
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Resumo Expandido | O cineasta iraniano Abbas Kiarostami (1940) vem, desde a década de 1970, realizando filmes a partir de premissas estéticas e filosóficas que diferem do modelo de cinema clássico, narrativo e representativo hegemônico. De maneira singular, renova as relações implicadas na própria forma de filmar: entre roteiro, filmagem e montagem; entre cineasta, atores e personagens; entre o real e o ficcional; entre imagem em movimento e movimentos da mise-en-scène. Dessas relações emerge uma fórmula Kiarostami, “uma liga ainda desconhecida entre documentário e ficção, transparência e dispositivo, captura bruta do real e cinema mental, realidade e abstração” (BERGALA, 2004, p.3) , composta por princípios que geram deslocamentos na forma de apreensão e construção de sentidos com a imagem. Concentramo-nos nesse texto em apenas um desses princípios: a ênfase no dispositivo.
Agamben, evocando Foucault, ressalta que “os dispositivos visam através de uma série de práticas e de discursos, de saberes e de exercícios, a criação de corpos dóceis, mas livres, que assumem a sua identidade e a sua ‘liberdade’ enquanto sujeitos no processo mesmo do seu assujeitamento (AGAMBEN, 2005, p.15). O conceito de dispositivo no âmbito do cinema se desenvolve na década de 1970, quando teóricos estruturalistas franceses tentam definir a “disposição particular que caracteriza a condição do espectador de cinema, próxima dos estados do sonho e da alucinação” (PARENTE, 2011, p. 39), quando também emerge uma crítica à “estética da transparência” (AUMONT, 2003, p.292). O “cinema do dispositivo” (PARENTE, 2011, p.29), por sua vez, seria aquele que alarga as fronteiras do modelo tradicional instituído ao chamar atenção para os processos de filmagem e/ou de montagem, propondo uma mudança de postura no espectador: de uma atitude imersiva e passiva, para uma atitude mais distanciada, dialógica e pensante. Analisamos nesse texto como a ênfase no dispositivo surge nos trabalhos de Kiarostami, estabelecendo regras limitadas, regulando o fazer fílmico e trazendo um aspecto minimalista à sua obra. Para tal, abordamos o filme Dez (2002), onde o próprio cineasta “durante as filmagens, não é mais um diretor de atores, e se torna, sobretudo autor do dispositivo” (BERNADET, 2004, p. 101); a instalação Five (2003) , que explora o potencial da imagem e do som digitais enquanto ludicamente investiga os limites fluidos das práticas artísticas documentárias, tendo em comum com Ten, além da ênfase na estrutura numérica das unidades, a determinação de uma regra (a câmera estática e contemplativa) como dispositivo em todos segmentos. Com Five, Kiarostami penetra num lugar “para além das fronteiras artísticas, onde podem coabitar o cinema, a fotografia, o vídeo a pintura, as instalações” (BERGALA, 2008, p. 70). Abordamos ainda Roads of Kiarostami (2005), composição plástica e sonora realizada a partir de fotografias e fragmentos fílmicos onde o grafismo dos caminhos e das estradas se funde em paisagens quase abstratas, estabelecendo relações entre dispositivo fílmico e fotográfico, entre tempo e memória. Em todos esses trabalhos, ao trazer o dispositivo para o primeiro plano, Kiarostami instaura a opacidade da imagem, ativando com isso a percepção do espectador e fazendo com que as operações ali determinadas se revelem como contradispositivos dos modos apreciativos habituais. |
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Bibliografia | AGAMBEN, G. O que é um dispositivo? In: A Excessão e o Excesso – Agamben
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