ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | Figurações da distopia: o documentário entre passado, presente, futuro |
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Autor | Cláudia Cardoso Mesquita |
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Resumo Expandido | A encenação de presentes incertos e a especulação de “futuros” têm se tornado veículo, no cinema brasileiro recente, para figurações distópicas em que a experiência urbana ganha tons pós-apocalípticos. O isolamento espacial, social e político marca os modos como os protagonistas aparecem em cena, por vezes maquinando revoltas, vinganças, intrusões, sem horizonte utópico. Testemunhos e outros traços documentais convivem com desvios pela ficção, incluídos diálogos com gêneros industriais (a exemplo do cinema de ficção científica e do noir), de modo a figurar a segregação espacial, a falência da vida em comum e a obsolescência precoce de pessoas e territórios em grandes cidades brasileiras.
Instigadas por esta reemergência da distopia como “ferramenta de análise radical” (HILÁRIO, 2013), tanto da atualidade como do caráter injusto de nossa formação social, propomos convocar a noção de “regime de historicidade” (Hartog, 2013) para examinar a encruzilhada temporal desenhada por filmes como Branco sai preto fica (Adirley Queirós, 2014), Com os punhos cerrados (Luiz Pretti, Ricardo Pretti e Pedro Diógenes, 2014) e Medo do Escuro (Ivo Lopes Araújo, 2015). Em nossa leitura, interessa indagar ainda como corpos e espaços reais encenam cidades distópicas, ou como se articulam elementos documentais e especulação ficcional de mundos no cinema brasileiro recente. Como, em cada presente, as experiências temporais do futuro e do passado foram correlacionadas? François Hartog (2013) parte de Reinhart Koselleck (2006) para sugerir que o regime de historicidade corresponde à experiência do tempo, aos “modos de articulação do passado, do presente e do futuro” (p. 28), variáveis conforme o momento histórico. A noção nos pareceu inspiradora para tratar de filmes que se destacam, entre outros aspectos, pelo emaranhado complexo de temporalidades, por desenharem intrigantes “regimes”. Neles, o “presente” oscila entre uma atualidade reconhecível e um futuro especulado, enquanto o passado comparece sob a forma de rememorações, traumas, ruínas, objetos técnicos obsoletos, fotografias, despojos e histórias reais soterradas. Em Branco sai preto fica (2014), por exemplo, contrariando a estética do apagamento, a ruptura com o passado e a proposta desistoricizante e descontextualizante do modernismo de Brasília (HOLSTON, 1993), o cinema de Adirley Queirós se volta mais uma vez para a recuperação da história. Mas, no lugar de um documentário memorialístico tradicional, opera-se um surpreendente desvio pela ficção, que se torna, a um só tempo, abrigo de testemunhos e espaço para encenações e especulações distópicas. Queirós parece encontrar no diálogo com temas e ícones familiares aos filmes de ficção científica munição para fazer frente aos “paradoxos da utopia” (Ibidem, p.92) legados pelo projeto, construção e ocupação de Brasília (cidade concebida como “modelo, uma imagem construída, não a partir das condições brasileiras existentes, mas do futuro do país”). Já em Com os punhos cerrados (2014), entre outros elementos, convivem uma recuperação do pensamento e de movimentos políticos anarquistas (sob a forma de inúmeras referências trabalhadas pelos diretores/atores em cena) e uma especulação distópica que tem a experiência urbana atual em Fortaleza (CE) como alvo e cenário. Isolados como aqueles de Branco sai preto fica, os protagonistas cultivam a imagem da revolução, a ruptura com o continuum da história, que lhes parece premente, mas resta impossível no presente. Entendemos que, se a confiança moderna no futuro está na base das utopias literárias e políticas, as narrativas distópicas dão forma ao assombro com o presente, buscando indicar "catástrofes que se perfilam no horizonte" (LOWY, 2005, p.32). Através da análise e da aproximação entre os filmes, buscaremos interpretar o desenho distópico, peculiar a cada um, que resulta de seus intrincados arranjos temporais, figurações urbanas e composições de elementos documentais e ficcionais. |
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Bibliografia | HARTOG, François. Regimes de historicidade - Presentismo e experiências do tempo. BH: Autêntica, 2013.
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