ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | Dos restos sob a história: Ilha das Flores e Boca de Lixo |
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Autor | Ana Carolina Cernicchiaro |
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Resumo Expandido | Enquanto a tempestade do superdesenvolvimentismo nos "impele irresistivelmente ao futuro" (BENJAMIN, 1994), os restos se amontoam sob a história. Se, na Europa, a figura emblemática destes restos são as pilhas de sapatos, pentes, roupas, óculos, cabelos, cadáveres de Auschwitz, que nos assombram em "Noite e Neblina" (Alain Resnais, 1955), duas décadas após as teses de Benjamin; no Brasil, estes restos têm a figura das pilhas de árvores em uma Amazônia cada dia mais devastada, de indígenas assassinados pelo agronegócio, de mendigos embaixo das marquizes, de lixões superlotados. Estes lixões, onde os restos de nosso vício pelo consumo se acumulam, inspiraram parte significante da produção de documentários no Brasil, entre eles, "Ilha das Flores" (Jorge Furtado, 1989) e Boca de Lixo (Eduardo Coutinho, 1992). Mais do que o lixo propriamente dito, o que interessa a esse cinema são aqueles restos invisíveis para a sociedade que catam este lixo, os "peixes limpa-fundo" (SOUSA, 2007) que recolhem nossas migalhas. Se, como afirma Jean-Louis Comolli, o cinema documentário é aquele que pode se ocupar "das fissuras do real, daquilo que resiste, daquilo que resta, a escória, o resíduo, o excluído, a parte maldita" (2008, p. 172), ele pode também escavar singularidades naquilo que a sociedade pretende esconder debaixo do tapete, focar o resto até que deixe de ser resto, até que fique aparente, até que sua voz ecoe e deixe de ser apenas um murmúrio sob a história. Tratam-se, portanto, de documentários verdadeiramente contemporâneos, no sentido agambeniano do termo, capazes de dissociar-se de seu tempo, de manter o olhar fixo no seu tempo para nele perceber não as luzes, mas o escuro, o que está invisível, escondido sob os holofotes midiáticos (AGAMBEN, 2009). Contra um ideal da história da humanidade como progresso, estes documentários são capazes de romper com a história como sucessão de vitórias dos poderosos, de "escovar a história a contrapelo", de perceber, como o anjo da história, que é preciso escavar os restos para que o futuro não seja apenas o futuro do progresso dos poderosos e da catástrofe dos invisíveis. Aí estaria a potência ética do documentário, uma abertura na história que é, antes de tudo, uma opção política pelas vítimas da opressão, a invenção de uma nova partilha do sensível. |
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Bibliografia | AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2002.
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