ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | Cinema e ekphrasis: modulações entre imagens e arquivos. |
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Autor | Pablo Gonçalo |
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Resumo Expandido | Embora seja bastante presente nos diálogos entre a história da arte e a literatura, apenas ocasionalmente a ekphrasis surge como um conceito nos estudos de cinema. Desde a estética moderna, a ekphrasis é tradicionalmente definida como a representação verbal de uma obra visual. No entanto, se retomarmos o seu surgimento, no seio da oratória greco-romana, a ekphrasis emerge, genealogicamente, como uma habilidade da retórica que visa despertar imagens mentais na platéia, conhecidas como enargeia. Aqui, nessa recuperação, surge um caminho no sentido oposto ao moderno: parte-se de palavras que despertarão imagens subjetivas. Nossa apresentação irá sintetizar essa discussão estética e ensaiará sua atualização nos estudos audiovisuais. Desde os anos oitenta, a partir das obras de David Bordwell e Andre Gaudreault, os conceitos de mímesis e diegesis possibilitaram uma definição mais precisa entre a encenação e uma teoria da narrativa cinematográfica. Seria possível, nesse diálogo com os conceitos greco-romanos, agregar a ekphrasis? Num contexto de ampliação e mútua contaminação das linguagens audiovisuais (por meio de incessantes e complexas intermedialidades e remedialidades), não seria apropriado também discutirmos os trânsitos das linguagens e mídias na seara das ekphrasis? A apresentação compartilhará esse debate tendo o filme Asas do desejo (1986), de Wim Wenders, como um estudo de caso privilegiado. A partir da parceria entre o diretor e seu roteirista, o escritor Peter Handke, mostraremos como o filme elabora modulações de ekphrasis, ora na tradição das imagens vindas da palavra oral, por meio da enargeia, ora salientando uma ekphrasis permeada pela câmara obscura, na tradição da pintura holandesa do século XVIII e da Ut Pictura, ita Visio, de Kepler. Paralelamente, mostraremos como, no filme, a montagem intercala uma ekphrasis vinda dos arquivos audiovisuais, nos quais a cidade de Berlim seria o suporte – físico e simbólico - de memórias, pontos de vista, visualidades e traumas da segunda guerra mundial. Nessa leitura, o filme foi composto por modulações de ekphrasis, nas quais inaugura-se uma temporalidade da imediacidade do visível, pela exploração do olhar das crianças, e que é sintomaticamente combinada com a atualização do ponto de vista (a Blick) quando o arquivo gera um contraponto com a imagem cinematográfica. No filme, as passagens de ekphrasis também são dramaticamente representadas pela metamorfose do anjo Damiel, que transforma-se em humano e cujas pegadas, nesse instante limiar, instauram uma escritura que combina inscrições, palavras, presenças e imagens. Curiosamente, o diálogo entre os anjos Cassiel e Damiel mimetiza a colaboração entre Wenders e Handke, a qual, seguindo a compreensão de W.J. Micthell, aposta mais numa fé na ekphrasis – segundo a possibilidade poética de convívio entre a palavra e a imagem - do que no seu ceticismo ou a indiferença frente a esse debate. Por fim, a apresentação pretende analisar e compartilhar trechos inéditos do primeiro tratamento do roteiro de Asas do desejo, feito por Wim Wenders, o qual foi escrito de forma descritiva, quase sem falas, assim como a sua colaboração com Peter Handke, que cunhou os solilóquios poéticos, diretamente influenciados pela enargeia greco-romana, como é o caso das cenas para Homero.
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Bibliografia | ALPERS, Stlevana:The art of describing: dutch art in the seventeenth century. The University of Chicago Press. 1984
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