ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | Divina Previdência: crítica social na forma do filme |
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Autor | Simone Pereira de Macedo |
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Resumo Expandido | Divina Previdência (1983) é uma das mais importantes críticas sociais feitas por Sérgio Bianchi. Realizado em um contexto de falência, mas ainda de vigência do Regime Militar (1964-1985), nele nos é apresentada a saga de Antônio, desempregado, em condição de mendicância, que recorre à Previdência Social e não consegue ter seu direito ao atendimento garantido, dadas as dificuldades criadas para sua efetivação. Daí a ideia de uma previdência “divina”, que remete a deus, ao sagrado, ao inatingível. Com apenas sete minutos e 49 segundos, ao tratar desse tema, o cineasta aborda o papel da burocracia, o impacto dessa situação na existência do personagem, o posicionamento de um casal burguês quanto a sua situação e aborda o próprio cinema. Isso do ponto de vista narrativo.
Do ponto de vista dos elementos especificamente cinematográficos, entretanto, temos situações contraditórias. Tanto na relação desses elementos entre si (como entre o som e a imagem) como na relação deles com elementos de cunho narrativo. Tais contradições ferem a impressão de realidade e a verossimilhança típicas do cinema narrativo clássico. Causam choques constantes que reforçam sua crítica ao problema social em questão e ao cinema nacional, mais voltado para o mercado, seguindo o modelo hollywoodiano, na época. Dois aspectos ajudam a ilustrar o procedimento do cineasta. O primeiro diz respeito à não correspondência entre imagem e som. Na primeira sequência, enquanto são apresentadas imagens de cinco homens e três mulheres, diferentes em termos étnicos e etários, há a transmissão da voz em off de Gil Gomes, famoso na década de 1980 por seu programa de rádio sobre crimes hediondos, narrando a história de um trabalhador. Essa história terá continuidade na terceira sequência, acompanhando a espera de atendimento do personagem principal e de outros homens. O som não está associado ao ambiente, é inverossímil. Há também o exemplo da trilha sonora, que aparece na segunda e na quarta (última) sequência do filme, executada pela orquestra de Ray Conniff. They Say It´s Wonderful (“Eles dizem que é maravilhoso”) acompanha o intercalar de imagens do personagem principal com imagens das funcionárias da Previdência Social, em que os entraves, com a necessidade de idas e vindas de Antônio, são encenados. Aquellos Ojos Verdes acompanha a morte do personagem principal na sala de cinema. Músicas que figuravam nos bailes dos anos 1980 e que fazem a apologia do amor e da felicidade, contrastando, portanto, com a situação do personagem principal, perambulando pelas ruas, chocando-se com um carro, isto é, com sua desgraça, como analisa Nezi H. C. de Oliveira (2006). O segundo aspecto refere-se à contradição entre elementos cinematográficos e narrativos. Aqui entra o fato de nada indicar que Antônio (o homem com quem as atendentes falam) e o personagem principal (o homem que nos é mostrado, desde a segunda sequência) sejam a mesma pessoa, pois as funcionárias falam olhando para a câmera e não há a voz do referido Antônio. O fato de o homem apresentado surgir na sequência das falas das funcionárias o associa à situação, sobretudo por conta do ritmo da montagem, que se acelera. Mas esta associação não se justifica do ponto de vista da narrativa clássica, por meio de procedimentos como a montagem paralela e o campo e contra-campo, por exemplo. Isso porque não há pontos de ancoragem, como um plano conjunto que revele o estabelecimento de um diálogo entre dois personagens, seguido de planos únicos (com enquadramentos aproximados – primeiro plano, normalmente), típicos do campo e contra-campo. Por sua vez, a montagem não segue as regras do esquema paralelo, porque não há vínculo entre os personagens e nem há correspondência entre imagem e som (é neste momento que entra a música They Say It´s Wonderful). O que se observa são rupturas com o mundo diegético. |
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Bibliografia | AUMONT, Jacques. O filme como representação visual e sonora. In: AUMONT, Jacques et al. A estética do filme. Campinas, SP: Papirus,1995. (Coleção Ofício de Arte e Forma)
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