ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | A mis en scène na ficção e no modo documental observativo: interfaces |
|
Autor | Bertrand de Souza Lira |
|
Resumo Expandido | Ao longo da história do cinema, cineastas e teóricos se debruçaram sobre o conceito e a prática da mis en scène que envolvem questões de ordem técnica, estética e, até, filosófica já que aí está implicada uma visão de mundo que, no entender de Bordwell (2008) divide diretores nos que creem nas imagens e naqueles que acreditam na realidade. Aspecto fundamental na concepção de uma obra cinematográfica de ficção ou não ficção, a mis en scène será tratada aqui na sua acepção mais abrangente, entendida como o processo que envolve desde a disposição de objetos e atores em cena ao produto final na tela, ordenado pela montagem, além de todas as demais intervenções no processo de pós-produção (marcação de luz, cor, efeitos visuais e sonoros etc.). Nosso propósito é discutir as interseções existentes entre aspectos da mis en scène pensada para uma obra ficcional e aqueles para um filme documentário no modo ou estilística que mais o aproxima da ficção, o modo observacional. As modalidades de representação do real são práticas cinematográficas identificados por autores como Nichols (2005), Ramos (2008), Gauthier (2011), entre outros, que se dedicam à abordagem do cinema documental. Enfatizaremos nesta mirada o chamado modo observacional por ser o que mais se identifica com a mis en scène do cinema de ficção e sua regra maior: a de impedir que os atores olhem diretamente para a câmera. A “observação” em recuo almeja representar o mundo histórico numa posição de distanciamento com uma aparente não-intervenção, como se a realidade impregnasse a tela sem nenhuma intermediação. É uma perspectiva sobre a realidade e sua representação, de certa forma iniciada com Nanook, o esquimó (Robert Flaherty, 1922) que introduziu a encenação no registro documental. O modo de representação do real, mais “espontâneo” e menos “intervencionista", que tem início com o “cinema direto” americano, foi viabilizado pelos avanços na tecnologia de sincronização de som e imagem. Embora a tônica dessa forma de registro seja a tomada no instante dos acontecimentos, no fluxo espontâneo da vida, numa sistemática adaptação do “sujeito-da-câmera” às situações e imprevistos que se apresentam no presente do momento da filmagem, há, nessa estratégia de investida no mundo histórico, recursos à encenação. E o termo mis en scène aqui, numa tradução direta do francês e originalmente do campo teatral, significa colocar em cena, gerenciar gestos, movimentos, falas e ações num determinado espaço-tempo, em situações repetidas para a câmera. Enfim, situações onde se pode obter um determinado controle sobre a ação filmada, onde uma mis en scène pode ser empreendida em sua maior plenitude, pois se refere às solicitações do diretor, para a câmera, que melhor se ajustarão à proposta do documentário. Focaremos nossa análise nos curtas-metragens O reino de Deus (Vânia Perazzo e Ivan Hlebarov, 1991) e Malha (Paulo Roberto, 2013), realizados com a diferença de um pouco mais de duas décadas entre o primeiro e o segundo, mas que têm em comum a estética observacional, além da temática religiosa. Nessa vertente “menos pura” do cinema direto há espaço para a mis en scène próxima à de uma ficção realista, isto é, o documentário observativo parece nos mostrar um mundo (o histórico) que fala por si através das ações (e falas) de seus personagens e do ruído ambiente. Como a narrativa ficcional clássica (aparentemente transparente), esta estilística documental prima pela “não intervenção”, pelas tomadas em recuo, escondendo as marcas de enunciação. Na realidade, isso acontece em parte, visto que identificamos nesses filmes momentos de direção e controle, onde a atuação dos personagens são determinadas por uma trabalho de direção muito semelhante à mis en scène da narrativa ficcional. |
|
Bibliografia | AUMONT, Jacques. O cinema e a encenação. Lisboa: Edições Texto&Grafia, 2011.
|