ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | Pela reabilitação da entrevista na prática documentária |
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Autor | Laécio Ricardo de Aquino Rodrigues |
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Resumo Expandido | O trabalho pretende problematizar o recurso da "entrevista" no documentário contemporâneo, sobretudo na produção nacional. Para situar a condição da "entrevista" nesta tradição, de uma posição de destaque a um posterior esvaziamento, cabe fazer aqui uma breve recapitulação histórica.
Reconhecemos claramente a ruptura operada pela "tomada direta" no campo do documentário. Uma guinada que, junto com a adoção de novas premissas éticas e anseios estéticos, culminou na passagem do modelo clássico (marcado por uma afasia dos sujeitos abordados) para o regime moderno, marcado por um recuo do diretor (antes o agente quase exclusivo da enunciação) e um maior adensamento dos indivíduos abordados, cujos corpos e falas se intensificam na tomada. São muitos os títulos que abordam tal transição e as escolas que daí despontam: Marcorelles, 1973; Barnouw, 1993; Marsolais, 1974; GAUTHIER, 2011. Neste contexto de transformação, também é conhecido o quanto o expediente da entrevista promoveu um revigoramento na tradição do documentário (vide a obra de Jean Rouch; Shirley Clarke, Marcel Ophüls, Pierre Perrault...), seja via estímulo da potência fabuladora dos personagens (Deleuze, 2000) ou unicamente como exercício interativo/investigativo. No caso brasileiro, embora tenhamos muitos exemplos, certamente Eduardo Coutinho foi o cineasta que melhor nos apresentou as virtudes da entrevista para revolver as subjetividades dos sujeitos por ele interpelados em cena. Em sintonia com o que sugere Xavier (2010), podemos afirmar que Coutinho, em sua obra, adota a entrevista como forma dramática privilegiada. No entanto, como tudo que se institucionaliza (seu uso recorrente por cineastas menos talentosos), mas também pelo seu emprego precário na mídia televisiva, a entrevista perdeu força, se converteu em recurso desacreditado - mero depoimento emitido em "zonas de conforto". Na virada dos anos de 1990/2000, não foram poucas as vozes que se insurgiram questionando este emprego viciado e suas limitações. Dentre nós, Bernardet (2003) talvez tenha sido o crítico mais implacável, em ensaio hoje influente e que obrigou nossos cineastas a repensar este expediente. Suas colocações neste texto, direta ou indiretamente, circunscrevem o seguinte quadro: a contínua aclamação de Coutinho (de cuja obra, Bernardet é entusiasta) pela crítica e academia; sua influência inconteste no campo do documentário, herança que incentiva alguns realizadores a emular sua prática sem êxito (uma sombra nem sempre positiva); e, por tabela, a falta de criatividade dos documentaristas para empregar a entrevista de modo inovador (não raro, alguns até a converteriam num exercício narcísico onde o vetor da conversa se dirigiria à personalidade do cineasta, em vez de priorizar o outro à sua frente). Esta crítica contundente, creio, trouxe consequências imediatas: o gradual abandono da entrevista por gerações recentes de documentaristas e o estímulo à adoção de "dispositivos" como vetores do processo criativo. Mas, não obstante tais críticas, a entrevista ainda permanece como expediente importante do documentário como atesta sua presença em muitas obras. E, como assevera Comolli (2008), ela não pode ser desacreditada ou descartada em virtude dos muitos empregos precários. Cabe repensá-la, reavaliá-la e reativá-la, enquanto instrumento capaz de reabilitar a potência dos encontros na tomada direta. Assim, amparado no ensaísta francês, esta apresentação visa destacar o uso expressivo e criativo da entrevista em alguns títulos contemporâneos (pós-1980), sobretudo brasileiros, entendendo que sua prática é complexa e heterogênea. Em outros termos, são muitas as possibilidades de condução e realização da entrevista. E cada uma delas solicita diferentes formas de engajamento na tomada entre cineastas e sujeitos filmados; diversidade que carece de reconhecimento se desejarmos, de fato, reconduzir este recurso à sua centralidade original. |
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Bibliografia | ARFUCH, Leonor. La entrevista, una invención dialógica. Barcelona: Paidós, 1995.
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