ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | Colidir tempos no espaço |
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Autor | Annádia Leite Brito |
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Resumo Expandido | Esta pesquisa visa aprofundar a análise das obras de Solon Ribeiro ao utilizar os fotogramas do cinema clássico herdados de seu pai tendo em vista as operações de montagem em seus dispositivos, dando seguimento ao trabalho apresentado no encontro da SOCINE de 2014.
Ao tomar os frames e articulá-los em dispositivos diversos, o artista remete as imagens estáticas novamente ao movimento e ao tempo enquanto expande sua dimensão espacial. Não se trata de narrar uma história, mas de efetivar a transposição das questões de linguagem encadeadas no tempo em relações espaciais ou de buscar outra experiência que não seja entregue ao espectador como uma obra fechada com começo, meio e fim. “É a colocação espacial das telas que se torna o operador de decisões de montagem” (DUBOIS, 2014, p. 139), permitindo que haja múltiplas entradas e interpretações no contato com um trabalho. Identificam-se três formas de montagem ao observar o gesto de Ribeiro ao operar os fotogramas no espaço: a projeção em ambientes, produzindo uma edição em tempo real; a articulação das imagens internas a cada dispositivo; e, nas exposições, o choque espacial de frames pertencentes a dispositivos diferentes, inclusive colocando em relação os próprios aparatos entre si. A obra de Aby Warburg faz entrever na montagem de Ribeiro uma expansão da dimensão processual do trabalho artístico para um âmbito procedimental (DIDI-HUBERMAN, 2011). A escolha dos fotogramas a serem utilizados, a promoção de choques entre eles, a mudança interminável na formação de dispositivos e a maneira como esses conjuntos incidem em modificações nas imagens, todos esses fatores apontam para o desenvolvimento do sentido inicial do processo como fazer infindável. Passa-se a uma variação inesgotável e rica em novas relações antes despercebidas entre as imagens e a outras possibilidades para a linguagem cinematográfica. “É isso uma montagem: uma interpretação que não procura reduzir a complexidade, mas mostrá-la, expô-la, desdobrá-la de acordo com uma complexidade em outro nível de interpretação” (DIDI-HUBERMAN, 2013b, p. 415). Há nesse conjunto de obras um inacabamento essencial, tanto por sua ordem estrutural continuamente desfeita e refeita, quanto pela potencialidade das ligações internas inexauríveis entre os elementos heterogêneos. A presença das lacunas existentes entre as imagens revela o intervalo como elemento essencial na operação das montagens. São os fundos negros de Mnemosyne que em Ribeiro se fazem nas distâncias entre os fotogramas de um dispositivo. Tais interstícios abrigam o movimento que se compõe entre as imagens, seja pelas possibilidades de interconexões ou, fundamentalmente, pelo choque entre os tempos. O intervalo como lugar da passagem é o espaço de trabalho da montagem e trata de fomentar a produção do campo operatório sem objetivar o necessário deciframento de seus enigmas. O trabalho de Ribeiro se coloca espacialmente – “mostragem” (DELEUZE, 1992, p. 72) – para promover nos intervalos o choque temporal entre as imagens heterogêneas e, dessa forma, produzir movimento entre os fotogramas de maneira continuamente renovada. O intervalo, então, forja o reencadeamento nas obras, deslocando a atenção do destino dos frames em sua sucessão no aparente presente duradouro para o próprio fotograma e o que há para se ver nele. Utilizar uma figura inicialmente parte do cinema clássico, de um regime de imagem anterior, é reengajar explicitamente o passado na construção contemporânea da arte, chocar o seu passado de imagem que se dava sempre no tempo presente com a lacuna de um presente que necessariamente envolve um passado a inventar, posto que os fotogramas perderam o contexto das narrativas que habitavam e se tornaram livres para associarem-se em outros encaixes, constituindo “devires mais que histórias” (DELEUZE, 1992, p. 80). |
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Bibliografia | DELEUZE, Gilles. Conversações (1972-1990). São Paulo: Ed. 34, 1992.
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