ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | A alvorada de Mário Fontenelle: “biografema” de Brasília |
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Autor | Miguel Freire |
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Resumo Expandido | O primeiro olhar sobre o legado imagético deixado por Mário Fontenelle não nos deixa fugir da impressão de que ele era o homem com uma câmera fotográfica que estava no lugar certo, na hora exata em que ocorria um fato significativo. É verdade. Porém, não foi apenas sua localização no espaço e no tempo a única responsável pela singular coleção documentária que veio a produzir sobre a construção da nova capital brasileira no planalto central.
Uma sequência de acontecimentos parece conspirar para que Fontenelle fosse o olho-memória da alvorada de Brasília. Da cidade de Parnaíba, no litoral piauiense, onde nasceu e, logo cedo trabalhou como mecânico de hidroaviões que chegavam e partiam do Porto das Barcas no Rio Igaraçu, no delta do rio que nomeava sua cidade, ele veio para o Rio de Janeiro, onde conheceu Juscelino Kubitschek, que estava em plena campanha para presidência da república. A vitória de JK, em 1956, possibilitou a realização de sua mais importante coleção documental fotográfica. Dito isto, vamos começar por abordar uma das mais conhecidas fotografias de Mário Fontenelle: o retrato do cruzamento dos eixos monumental e rodoviário do plano piloto, nos primórdios da construção de Brasília. A imagem da cruz formada pelas linhas que rasgam o cerrado virgem do planalto central pode ser referenciada como momento de ruptura, marco introdutório imperativo do desenrolar da epopeia mudancista. Com base na tricotomia de Charles Peirce ícone/índice/símbolo podemos dizer que essa imagem aérea de Fontenelle trafega da condição indiciária, que é inerente à fotografia, para o patamar do simbólico, mais característico dos processos linguísticos. Fontenelle cunhou com essa fotografia uma espécie de vocábulo-gênesis com o qual se inicia a quase totalidade dos relatos da fundação de Brasília. Para Milton Guran, em entrevista concedida a Pedro Jorge de Castro para o filme Mário Fontenelle: a oração silenciosa, a fotografia do cruzamento das duas picadas no meio do cerrado com o qual Lucio Costa definiu o “gesto primário” que assinalou com a cruz o lugar da fundação de Brasília, constitui “uma imagem definitivamente seminal da iconografia fotográfica brasileira.” É preciso lembrar que mais de cinco mil imagens fotográficas foram feitas por Fontenelle entre a segunda metade da década de 1950 e os primeiros anos de 1960 com a temática: o nascimento de Brasília. André Rouillé localiza o período como de transição da fotografia como documento para o que chama de fotografia-expressão.” (ROUILLÉ, 2009, p. 72-73) Estamos entendendo que a fotografia não é apenas um processo de reprodução imagética de pessoas e coisas, uma cópia fiel de objetos iluminados. Para além da reprodutibilidade das coisas é intrínseca ao resultado fotográfico a participação criadora do fotógrafo, sem prejuízo das interveniências físico-químicas e, hoje, digitais. Chamamos atenção para o relevo e a evidência que Mário Fontenelle imprime em suas imagens ao ser humano, às pessoas, como agente interativo no cenário da gestação de Brasília. Por último podemos observar que para além da riqueza documental, estética e artística, já decantada no seu fazer fotográfico, ele agrega novos valores culturais e antropológicos às suas fotografias, condição que nos permite afirmar que o estudo etnográfico contido nas imagens fotográficas de Mário Fontenelle sobre a construção de Brasília constitui o que Barthes (1984, p.51) chama de “biografema” guardando com a história relação análoga à mantida com a biografia. |
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Bibliografia | BARTHES, Roland. A câmara clara: nota sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
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