ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | O Noir americano dos 40: ritos religiosos e familiares em Uma vida marcada, de Robert Siodmak |
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Autor | Miguel Serpa Pereira |
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Coautor | Angeluccia Bernardes Habert |
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Coautor | Luiz Vadico |
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Resumo Expandido | Para escapar da perseguição nazista, um significativo número de cineastas europeus vai para Hollywood, entre os anos 30 e 40. Alguns conseguem êxito e se encaixam na indústria americana com especial capacidade adaptativa. Outros buscam um lugar próprio em consonância com suas estéticas e formas narrativas, retomando posturas dos movimentos vividos nas vanguardas europeias. Nada foi planejado. Simplesmente aconteceu. Ao chegarem a Hollywood, foram conquistando o seu lugar, em muitos casos, começando em funções de menor prestígio. A estrutura de produção que vigorava incluía o que se chamou mais tarde de filme B.
As condições de produção dessa categoria eram orçamentos mais modestos e uma segunda a linha nos lançamentos. Estas circunstâncias acabaram favorecendo o surgimento de um subgênero que os críticos e analistas chamaram de filme noir. Percebe-se, nesses filmes, uma composição de personagens e ações dramáticas que espelham as consequências da Segunda Guerra Mundial para a sociedade norte-americana. Traumas psicológicos, dificuldades de adaptação à vida cotidiana, emprego difícil, formação de guetos e segregações, dificuldades afetivas, famílias separadas, o mundo do crime e da máfia, enfim, um quadro que estava na contramão do cinema eufórico que Hollywood produziu nesse mesmo período. Uma vida marcada (Cry of the city), de 1948, dirigido por Robert Siodmak, se insere nessa atmosfera. O filme se abre com um padre dando a extrema-unção a um doente, acusado de matar um policial, com a família chorosa em torno do leito. Atrapalhando a cerimônia, um detetive e seu auxiliar interferem nesse sentimento religioso e de recolhimento. A cena tem toda a ambiência do claro-escuro do expressionismo alemão. O ritual religioso dá o tom inicial que será ampliado para questões relativas à família, ao policial justiceiro, aos jogos de corrupção, à máfia, à desagregação social e à redenção como superação desse estado de coisas cujo anticlímax se dá no interior de uma igreja. Na verdade, o bandido no leito de morte viveu a infância e adolescência no mesmo bairro que o policial. Famílias amigas, com especial carinho entre seus membros. Seguiram caminhos diferentes e se enfrentam nos momentos decisivos de ambos. É um argumento típico desse universo urbano em que se dá o embate entre o claro e o escuro. De um lado a virtude e de outro o vicio. De qualquer modo, a atmosfera do filme é carregada pelos tons da cidade e seus espaços menos luminosos, mais escondidos, mais próximos do submundo da criminalidade e da exclusão social. Siodmak foi um dos realizadores de O povo do domingo (Menschen am Sontag – 1929), junto com Billy Wilder, Fred Zinnerman e Edgard G. Ulmer, que também, acabaram indo para Hollywood. Em 1933, seu filme Perigosa aventura (Brennendes Geheimminis) foi censurado por Goebbels e a exibição proibida, o que motivou a sua saída da Alemanha. Siodmak realizou vários filmes que se tornaram uma espécie ícones desse gênero em que a imagem é o centro construtor de uma atmosfera íntima de difícil decifração, pois esconde mais do que revela. O texto pretende relacionar essa atmosfera com os ritos sociais e religiosos que Uma vida marcada sublinha. A conjugação entre o espaço cênico do Noir e os temas do campo religioso serão analisados a partir posturas teóricas de Agamben e Inês Gil, assim como a contribuição significativa de A.C. Gomes de Mattos nos estudos sobre o filme Noir, entre outros autores |
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Bibliografia | AGAMBEN, Giorgio. Profanações. São Paulo: Boitempo, 2007.
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