ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | Memórias em suspensão: uma análise das “entre-imagens” em Aeroporto |
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Autor | Gabriela Lopes Saldanha |
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Resumo Expandido | A utilização de fotogramas como imagem bruta do filme Aeroporto nos coloca em contato com a experiência proposta por Marker ao desafiar o espectador a pensar na intersecção que existe entre uma fotografia e outra. No entanto, a opção estética do La Jetée remonta particularmente as condições técnicas de montagem do ano de 1962, o que faz deste arranjo uma mescla fascinante da montagem artesanal (linear) com a sofisticação da utilização do tempo nos planos. Ora, ao voltar para Aeroporto e ao ano 2010, encontramos uma sofisticação temporal semelhante, mas um cenário técnico completamente diverso. Na era da montagem digital (não linear), a técnica utilizada no filme poderia estar superada, mesmo assim, o diretor opta pela negação do movimento em imagem e preserva o que Bellour (1997) chama de “entre-imagens”, uma reflexão suspensa e sensível da relação entre cinema e fotografia, cuja tradição remonta e atualiza o duelo plástico entre pintura e vídeo. É no vídeo que as imagens se ressignificam e solicitam um diálogo político e estético que a televisão parecia se esquivar no fim dos anos 70 e acabou se prolongando até a chegada das novas plataformas e interfaces digitais.
Segundo o crítico André Bazin (1958), em uma leitura sobre Chris Marker, a montagem se relaciona com o todo, não necessariamente com a ordem cronológica de uma narrativa. Este uso das imagens parece guardar semelhanças ou possíveis influências sobre a obra de Pedroso onde se evidencia de um modo geral em sua cinematografia a condução política, a despeito da estética, como recurso evidente do processo de montagem. O crítico e diretor de cinema Alexandre Astruc, ainda antes de Bazin, em 1948, aborda esse caráter político de apropriação das técnicas para condução da estética de modo muito particular ao formular a teoria da “Caméra-stylo”, ou também dita como câmera-caneta. Para ele, até os anos 20 o cinema havia orbitado em torno do espetáculo. Era chegada a hora de elaborar formas que fugissem à descrição para que finalmente o artista pudesse expressar seus pensamentos. Neste sentido, Astruc antecipa a questão da portabilidade dos equipamentos como recurso para esta libertação do cinema como arte, e não só como técnica. Com as fotografias, Marker e Pedroso encontram esse intervalo que permite o pensamento fluir e se conectar com a virtualidade de um tempo elaborado na memória. Bellour (1997) defende que os filmes que se utilizam de fotografias contribui para a transformação de um espectador apressado, acostumado à histeria da narrativa, para um espectador pensativo. As ideias trazidas por Astruc, ampliadas por Bazin na perspectiva da obra de Marker, e atualizadas por Bellour com o nome de “auto-retrato” encontram analogia no compêndio cinematográfico pertinente aos debates atuais problematizados no âmbito do ensaio no cinema (filme-ensaio). Bordas que escapam às categorizações da ficção, do documentário ou mesmo do experimental, mas que insurgem na tela com traços latentes, em uma busca espontânea e justa da expressão do pensamento como algo composto de múltiplas camadas e fluxos contínuos. Podemos dizer que em Aeroporto e em La Jetée todas as vezes que a memória é evocada em discurso ela se apresenta fragmentada e alternada por certezas e incertezas, como características do ensaio. Bellour (1997) elabora um conceito para “auto-retrato” para dar oposição à autobiografia. Neste sentido, o “auto-retrato” se equipara ao ensaio na medida em que se apresenta como rubricas temáticas, mas não narrativas. Nesse tributo ao fantasma de um tempo passado, Aeroporto finaliza sua exposição com uma sequência de imagens desfocadas. “De fato, tendo em vista a própria expressividade, o tremido capta a parcela de drama que toda representação figurada, até mesmo a das coisas, supõe.”, inquire Bellour nesta bela imagem escrita. No conjunto, no todo, evocamos Aeroporto então como uma possível expressividade subjetiva cinematográfica aberta ao diálogo com o ensaio no cinema. |
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Bibliografia | ADORNO, Theodor. O ensaio como forma (p.15 a 45). In: Adorno, W. T., Notas de Literatura I. Tradução Jorge de Almeida, Editora 34, Coleção Espírito Crítico, 2003. ASTRUC, Alexander. Nacimiento de una nueva vanguardia: La caméra stylo, en Textos y manifiestos del cine. Madrid, Cátedra, 1988. (Originalmente publicado em L'Écran Français Nº 144, 30 de março de 1948). BAZIN, André. In: France-Observateur, 30 de outubro de 1958 e Le cinéma français de la libération à la nouvelle vague, Cahiers du Cinéma, 1998. BELLOUR, Raymond. Entre-imagens: Foto, cinema, vídeo. Campinas: Papirus, 1997. CORRIGAN, Timothy. The Essay Film: from Montagne, after Marker. Oxford University Press, 2011. TEIXEIRA, Francisco Elinaldo. Cinemas “não narrativos”: experimental e documentário – passagens. São Paulo: Alameda, 2013. WEINRICHTER, Antonio. La forma que piensa. Tentativas en torno al cine-ensayo. Navarra/Espanha: Fondo de Publicaciones del Gobierno de Navarra, 2007. |