ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | Êxodos, deuses e homens: a potência da impotência |
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Autor | Angeluccia Bernardes Habert |
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Resumo Expandido | «Somente uma potência que pode tanto a potência quanto a impotência é, então, a potência suprema», discorre Agamben sobre a agência – ato de criação - dos homens e de Deus, exemplificando com Bartleby «o escrivão que prefere não escrever» e Glenn Gould «aquele que pode não tocar». Sustenta-se no argumento de Aristóteles: «Se o pensamento fosse, de fato, apenas potência de pensar este ou aquele inteligível, então ele já sempre resvalaria no ato, e restaria necessariamente inferior ao próprio objeto, mas pensamento é, na sua essência, potência pura, isto é, também potência de não pensar e, como tal, como intelecto possível ou material, ele é comparado pelo filósofo a uma tabuleta para escrever sobre a qual nada está escrito…». Essas palavras fundamentam esta comunicação sobre Exodus, deuses e homens, 2014, de Ridley Scott, e continua as considerações apresentadas sobre Os 10 Mandamentos, de De Mille (Socine 2014). Darei ênfase aos elementos constitutivos da narrativa bíblica, a contribuição inovadora do povo judeu que, segundo os especialistas, se distingue do universo dos mitos e das lendas de outros povos antigos. «A prosa de ficção é a melhor rubrica geral para classificar as narrativas bíblicas», escreve Alter. Seria a escolha de narrativa em prosa, fracionada por cortes temporais, interrompida por interpelações ou diálogos, sugerindo significados concatenados em um fio histórico. Ao recusar a circularidade estável do mundo mitológico, os escritos bíblicos se abrem à indeterminação, construindo as ambiguidades de uma individuação na ficção, elaboradas para se aproximar das incertezas da existência na história e exigir constante movimento de interpretação. O discurso direto usado aproxima épocas distintas, tradições nacionais heterogêneas, cujas contradições sugerem «o caráter insondável da vida na história, sob um Deus inescrutável».
Assim, há lugar para discutir como retornam as questões da libertação do povo de Deus, da sua identidade, do abraçamento ao monoteísmo, da promessa messiânica na narrativa cinematográfica, de forma mais expressiva aos novos tempos. Será também ocasião para conferir as novas vestes para uma narração mítica, com vistas ao maior impacto na audiência contemporânea. Ridley Scott parecia ser indicado para realizar uma versão grandiloquente do Êxodos, em Terceira Dimensão, e em plena revolução que corresponde à tecnologia digital. Até o momento da leitura dos créditos, no final do filme, quando lemos a lista numerosa de técnicos envolvidos na produção, o grande espetáculo parece, entretanto, contido e as suas escolhas comedidas. Scott lança mão da perspectiva do anti-espetáculo, de anti-clímax, e constrói uma estrutura paratáxica – os trechos da história apresentados não se encadeiam no ritmo orgástico com finalização. Tampouco seguem uma interpretação espiritual dos significados da história, como fechada tradicionalmente. No final, a audiência encontra-se em suspensão, não foi desenvolvida em cena a entrega das tábuas da lei, seguida da tentação da espera e do esforço para a sua aceitação. Os personagens, objetos e acontecimentos parecem destituídos de carga simbólica religiosa; são unidimensionais, sendo apenas o que aparentam ser. Muitos críticos comentam sobre as pragas, os sinais da intervenção divina, são todas explicadas como consequências naturais, e não ordenadas por causalidade sobrenatural. A passagem do Mar Vermelho parece uma solução plausível, quando Moisés ouve a voz de Deus pela primeira vez, está atordoado, tinha acabado de bater a cabeça em uma pedra, e a questão mais intrigante do filme é aparência de Deus, que Se revela como um menino arrogante, que, algumas vezes, dialoga com ele de forma intransigente e caprichosa. A escolha do Deus criança parece remontar à vida de Sto. Agostinho, que estudante das ciências da natureza e da lógica pensava vencer as contradições e entender o mistério das coisas através da razão humana, mas é posto em cheque pela mente infantil. |
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Bibliografia | AGAMBEN, G. A comunidade que vem. São Paulo: Autêntica, 2013.
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