ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | Birdman ou (A Inesperada Virtude do Plano-Sequência) |
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Autor | Matheus Batista Massias |
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Resumo Expandido | O célebre crítico e teórico francês André Bazin teve três estudos publicados ao longo da década de 1950 que mais tarde foram condensados em um único ensaio sob o título "A Evolução da Linguagem Cinematográfica". Nele Bazin perscruta pelas mudanças estéticas que houveram a partir do advento do som no cinema no final de 1920, como uma maior exploração das camadas do espaço-tempo e um uso reduzido da montagem. No entanto, Bazin faz ressalvas quanto ao estilo de diretores como Eric Von Stroheim, F. M. Murnau, e Robert Flaherty que mesmo antes da introdução do som eles já trabalhavam com o mínimo de montagem e tinham uma dedicação maior em capturar o "real", em desenvolver o verossímil ao priorizar as extensões do cenário e a duração das cenas. Assim, Bazin pontua a evolução da decupagem, chamando atenção para profundidade de campo e principalmente como esta afeta a relação do espectador com a imagem, conferindo um novo sentindo ao filme.
Bazin advoga pelo plano-sequência, moldando suas teses sobre neorrealismo e fenomenologia. A escolha de uma determinada estética cinematográfica não é apenas para melhor abordar o roteiro, mas imprime muito o modo de pensar o cinema do artista, ideológica ou filosoficamente. Jean-Luc Godard — invertendo um postulado de Luc Moullet, seu colega de trabalho na Cahiers du cinéma — afirma que o travelling é uma questão de moral. Do mesmo modo, adapta-se a questão de moral ao plano-sequência, reformulando-o a partir do subtítulo de Birdman (2014), de Alejandro González Iñárritu: o plano-sequência é uma virtude. Com exceção de pouquíssimos planos, Birdman foi feito de modo que pareça um único, contínuo e complexo plano-sequência, sendo arrematado na montagem, embora esta tenha sido mínima. O que diferencia Birdman de Festim Diabólico, então? Além de ter o cinema digital como pano de fundo, com o auxílio de câmeras mais sofisticadas (Arri Alexa), remetendo em grau estilístico, por exemplo, aos cinemas novos, pois faz uso da câmera de mão, Birdman também explora os limites do espaço-tempo de modo mais divergente e ousado com a Steadicam, aparato que embora não seja tão recente, confere uma linguagem cada vez mais peculiar e elaborada ao cinema contemporâneo, como pode ser constatado nos filmes de Paul Thomas Anderson e Alfonso Cuarón, ou em Arca Russa, de Alexander Sukorov. Em Birdman, os conceitos de plano, raccord, e cena são cada vez mais desvirtuados; a ambiguidade do real desfere um novo golpe a imagem ontológica. A relatividade do binômio espaço-tempo é trabalhada de modo que o tempo no filme é repensado a partir da camada de espaço. A alteridade existe; é pelo espaço que o tempo é contraído, e o futuro diegético se torna presente. Há vários momentos que comprovam isso, como a primeira aparição do personagem de Edward Norton ou em elipses clichês, como a passagem da noite para o dia. A ilusão de que tudo acontece em tempo "real" é alcançada pelo plano-sequência; não há espaço para campo/contracampo, a leitura da linguagem corporal dos atores é simultânea e a câmera interfere como um agente vivo. Não é só tentar capturar o "real", mas construir mise-en-scène. Ademais, há outros elementos fílmicos que reforçam ou põem em xeque a noção de real e verossímil de Birdman: a iluminação; a música ora diegética, ora extradiegética de Antonio Sanchez; a metalinguagem que confere não somente à peça retratada nele a natureza de "super-realismo" mas à ele próprio; e as divagações do protagonista. Partindo de Bazin e passando pela articulação do espaço-tempo e noções de raccord de Noël Burch, o estudo de Brian Henderson sobre o long take, e as teorizações de Gilles Deleuze sobre a imagem-movimento e a imagem-tempo, o presente trabalho almeja traçar um estudo sobre a problemática da noção de "real" implicada pelo plano-sequência a partir das anomalias do espaço-tempo de Birdman e como então se configura a mise-en-scène no cenário advindo de tal ruptura aflorada pela tecnologia digital. |
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Bibliografia | AUMONT, J. et al. A Estética do Filme. Campinas: Papirus, 1995.
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