ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | A fórmula filosófica de Woody Allen |
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Autor | Rogério de Almeida |
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Resumo Expandido | A obra cinematográfica de Woody Allen permite abordagens muito diversas, seja pela quantidade de filmes (um por ano há cerca de 40 anos), pela variedade de gêneros (da comédia ao drama, passando pelo musical), ou ainda pela inventividade narrativa, com a exploração de recursos como longos planos-sequências (Maridos e Esposas, 1992), documentário ficcional (Zelig, 1983), metalinguagem (Descontruindo Harry, 1997), mistura de fantasia e realidade (A Rosa Púrpura do Cairo, 1985), releitura irônica de gêneros (Neblina e Sombras, 1992) etc. No entanto, além de determinadas marcas de estilo e recorrências temáticas que garantem certa unidade à sua obra fílmica, há no cinema de Woody Allen um pensamento ou um conjunto de ideias que podemos qualificar de filosófico, ou ainda que guarda relações com certa filosofia. Chamo a recorrência dessa inclinação de fórmula filosófica e a identifico como a expressão de uma filosofia trágica (Nietzsche; Rosset; Almeida).
A inclinação filosófica do cinema alleniano pode ser expressa pela seguinte fórmula: aprovar a vida mesmo diante de toda sua negatividade. Seus filmes consideram a vida sem sentido, o cosmos existe ao acaso, deus é uma ilusão, os sentimentos são instáveis, os pensamentos enganosos, enfim, não há qualquer referência de valor em favor da existência, ainda assim a vida é aprovada, não como ideia, mas visceralmente, pela própria vida que se vive. É o que o próprio cineasta expressa em entrevista a Lax (2008, p. 172): "(…) nós temos de aceitar que o universo é sem deus, e a vida é sem sentido, muitas vezes uma experiência brutal e terrível, sem esperança, e que as relações amorosas são muito, muito difíceis, e que ainda precisamos encontrar um jeito não só de suportar, mas de levar uma vida decente e moral. (...) na verdade estou fazendo a pergunta: dado o pior, como podemos continuar, ou até mesmo por que deveríamos escolher continuar? Claro, nós não escolhemos – a escolha está impregnada em nós. O sangue escolhe viver.' Esse pensamento filia-se a uma filosofia trágica como postulada por Nietzsche (1995, p. 118): “fórmula da afirmação máxima, da plenitude, da abundância, um dizer sim sem reservas, até mesmo ao sofrimento, à própria culpa, a tudo o que é problemático e estranho na existência”. Uma cena emblemática se encontra em Match Point (2005), cujo enredo retoma Crime e Castigo de Dostoievski e seu próprio Crimes e Pecados (1989). Perto do fim, Chris Wilton vê o fantasma de Nola Rice, amante que ele assassinou. Ao ser questionado sobre seu ato, Chris responde com uma citação de Sófocles, de que o melhor era não ter nascido . E sobre o risco de ser preso, diz que seria apropriado, pois indicaria um sinal de justiça, uma pequena medida de esperança na possibilidade de sentido. “Aos olhos da lógica do pior, a aprovação incondicional é com efeito, simultaneamente, a condição necessária das filosofias verdadeiramente trágicas e o signo que permite reconhecê-las imediatamente (Rosset, 1989, p. 51). Reconhece-se a filiação alleniana à filosofia trágica não só pela constatação da “falta de sentido da vida e o horror da existência” (Lax, 2008, p. 402), mas sobretudo pela aprovação dessa existência. E o humor é o principal índice dessa aprovação. Humor sem pretensões morais, mas que opera com um alvo preciso: desfazer as ilusões de sentido que turvam a realidade. De um modo ou de outro, seus filmes sempre optam pela realidade, cuja condição trágica é por fim aprovada: “você tem que escolher entre a realidade e a fantasia e, claro, é forçado a escolher a realidade, e ela sempre te mata” (Allen in Lax, 2008, p. 459). Em Meia-noite em Paris (2011), a ilusão é que o passado era melhor. A aprovação vem quando Gil escolhe a insuficiência do presente (Almeida, 2012). Em Magia ao Luar (2014), a aprovação vem quando Stanley reconhece que a razão é insuficiente no controle das crenças e sentimentos... Enfim, os exemplos poderiam se multiplicar sem que a fórmula se alterasse. |
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Bibliografia | ALMEIDA, Rogério de. Meia-noite em Paris. In: Almeida, Rogério de; Ferreira-Santos, Marcos. Cinema e contemporaneidade. São Paulo: Képos, 2012.
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