ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | Artificio e heterotopias no cinema brasileiro contemporâneo |
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Autor | Angela Freire Prysthon |
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Resumo Expandido | O cinema brasileiro recente tem trazido à tona com uma frequência contundente “versões” do real a partir de temporalidades estranhas, diferentes, dissonantes. Temporalidades que desfiguram e transfiguram o real. Filmes como “Branco sai, preto fica (2014)”, “Brasil S.A.” (2014), “Medo do escuro” (2015) ou “Batguano” (2014) aderem, de maneiras muito distintas entre si, ao artifício para elaborar sobre o real, criando heterotopias, estabelecendo mundos alternativos. Poder-se-ia falar em “ficção científica” como um gênero em ascensão no novíssimo cinema brasileiro? Este trabalho procura entender como está emergindo e se consolidando a ficção científica no cinema de autor contemporâneo (evidentemente de modo distinto do cinema de mercado) em contraste com o realismo preponderante da década de 2000.
Uma das portas de acesso a esse universo da ficção científica vai ser a obra fundamental de Fredric Jameson, “Archaeologies of the Future”, na qual o autor americano mapeia o fenômeno da Utopia através das suas mais variadas manifestações, intuindo a ficção científica como uma meditação utópica sobre o impossível. O que nos parece crucial nesse trabalho, além do impressionante rigor através do qual descreve e critica os vários modelos de utopia da literatura e da ciência política, é justamente o modo como ele aborda a natureza problemática e ambígua da representação da utopia. Algo que me parece plenamente associável com algumas das proposições implícitas nesse conjunto de filmes, embora a maioria deles se refira mais exatamente a distopias que a utopias. A representação nesses filmes é marcada pela ideia de transfiguração ou desfiguração do real que é utilizada justamente para criar mundos (ou realidades) alternativos. Curiosamente, muitos deles se valem de uma acentuação do real, ou de um leve desvio do real, para ou propor novos mundos (a revanche de “Branco sai, preto fica”, por exemplo) ou para mostrar realidades aberrantes (“Brasil S.A.” e “Medo do escuro”). Além desse imaginário utópico-distópico, parece-nos essencial pensar o gênero ficção científica nessa sua encarnação mais alternativa do cinema brasileiro contemporâneo como um elogio do artifício, como uma afirmação da imaginação sobre a realidade, nesse sentido, trazendo à tona do ponto de vista formal uma série de estratégias estilísticas marcadas pela nostalgia (reminiscências do cinema experimental dos anos 70, por exemplo, em “Batguano” e “Medo do escuro”), pelo barroquismo visual (“Brasil S.A.”), pelo anti-naturalismo, pela encenação empostada, pelos excessos performáticos e pela forma de tornar estranhos espaços (cidades, paisagens, ambientes) muito familiares. Todos esses elementos nos levam a argumentar que talvez a característica mais interessante e paradoxal desses filmes seja que todos eles articulam muito intensamente a política a partir de um gênero normalmente considerado “frívolo”, menor. Ou seja, a partir do que poderíamos pensar como uma “furiosa frivolidade” (Dabashi, 2006), construída com uma atenção muito dirigida a elementos como figurino, direção de arte, cenografia, ou seja, os detalhes, os filmes constroem potentes heterotopias fílmicas, exercícios de resistência ao real ou premonições sombrias, e se revelam extremamente pertinentes para pensar o contemporâneo |
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Bibliografia | DABASHI, Hamid (org.). Dreams of a Nation. On Palestinian Cinema. Londres/Nova York: Verso, 2006.
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