ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | O povo ao redor |
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Autor | Júlio César Alves da Luz |
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Resumo Expandido | Paradoxalmente, quanto maiores são as possibilidades de se tornarem visíveis, em razão sobretudo do avanço tecnológico-midiático, mais os povos parecem, porém, ameaçados ao desaparecimento. Seja “subexpostos na sombra da censura” que nos priva de vê-los, seja “sobreexpostos na luz da sua espetacularização” que nos turva a visão, os povos, segundo Didi-Huberman (2014, p. 14), estão comprometidos na sua visibilidade, expostos mais a desaparecer do que a aparecer. Risco esse que, entretanto, longe de condená-los à contagem de seus últimos dias, deve ser apreendido, contra qualquer redução a um diagnóstico apocalíptico, à luz de um movimento dialético nesse duplo sentido em que se jogam simultaneamente o seu desaparecer e o seu aparecer, isto é, o seu des/aparecimento nas imagens que procuram figurar os povos.
Assim, a fim de problematizar, à luz dessa perspectiva crítica, as figurações dos povos nas imagens da cinematografia brasileira contemporânea, – contexto, ademais, assinalado pelo desaparecimento daquela noção de povo tal como estava em questão, até um passado próximo, num cinema político fortemente marcado pelo influxo do realismo crítico –, este trabalho se propõe a ler as formas sob as quais são postas em jogo, no filme O som ao redor, as condições dessa in/visibilidade dos povos na construção de suas imagens. Partindo embora de um olhar enfocado no mundo da classe média, as figuras populares afloram, porém, no universo fílmico, como figuras esparsas que entram nesse espaço pela porta dos fundos, envolvidas sobretudo pelas tensões das relações trabalhistas que pautam aí o contato entre as classes. Por outro lado, contudo, já muito distante, quanto a esse cunho de classe, daquele viés ideológico de um cinema político no qual a visibilidade do povo era fortemente perpassada, de fato, por uma visada de classe em que estava em jogo a figuração de seus contrastes e embates, um projeto de denúncia e, muitas vezes, intentos de pedagogia política, agora, a política dos novos filmes passa, no que diz respeito a essa questão da exposição dos povos, por outras chaves de leitura. É nesse sentido, precisamente, que procuramos ler o filme O som ao redor a partir de uma via político-filosófica que problematiza, primeiramente, a noção mesma de povo como corpo social que remete a uma identidade única e definidora que dissolve as diferenças, a fim de pensar as figuras humanas que aí emergem na sua singularidade qualquer, como seres singulares que, segundo Agamben (1993), não se reduzem ao individual, nem se dissolvem no universal, que não apresentam condição alguma de pertença, sem nada que as encerre sob uma identidade num conjunto. Isto é, trata-se justamente de pensar, aqui, onde já não existe, onde já desapareceu uma imagem de povo, imagens outras de sua aparição, como figuras singulares populares que, embora sem as subsumir na unidade de um povo, remetem ao comum dos povos. |
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Bibliografia | AGAMBEN, Giorgio. A Comunidade que vem. Lisboa: Editorial Presença, 1993.
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