ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | O Cinema Perto de Você e o conceito de acesso nas políticas culturais |
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Autor | Milena Times de Carvalho |
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Resumo Expandido | A partir de uma retomada da constituição das políticas públicas voltadas para o setor cinematográfico em vários períodos históricos, é possível constatar que o foco da política de fomento se concentrou primordialmente na etapa de produção dos filmes. Na última década, iniciativas como a Lei do Audiovisual e o Fundo Setorial do Audiovisual conseguiram garantir um significativo montante de recursos que têm contribuído para o crescimento da produção de filmes nacionais. No entanto, o público atingido pela maioria desses filmes ainda representa um percentual pouco expressivo do mercado. Partindo dessa constatação, o presente trabalho se propõe a refletir sobre como tem sido formulada e implementada no Brasil uma política de acesso ao cinema, por meio de um estudo de caso do programa mais representativo dessa vertente na política em vigor, o Cinema Perto de Você (CPV). Adotando o aporte teórico-metodológico da Economia Política da Comunicação e reflexões contemporâneas sobre a conceituação e caracterização das políticas públicas de cultura e do acesso à cultura, analisamos a perspectiva de acesso adotada pelo Cinema Perto de Você, os atores e relações de poder envolvidos na sua formulação e implementação, e em que medida ele cumpre com o objetivo de diversificar, descentralizar e expandir a oferta de cinema à população brasileira.
Por meio da análise dos documentos levantados e de uma pesquisa de campo em três cinemas contemplados, nas cidades de Hortolândia (SP), Rio de Janeiro (RJ) e Imperatriz (MA), foi possível constatar que a maneira como foram formuladas as ações do CPV consegue atingir com sucesso apenas as metas de digitalização e aumento do número de salas. A maior parte das salas de cinema do país concentra-se nas regiões Sul e Sudeste e em municípios com mais de 500 mil habitantes e o programa acaba reforçando essa concentração, já que 77,5% das novas salas contempladas encontram-se nestas regiões e mais da metade, em cidades grandes. A inclusão de novas faixas de espectadores também é tímida, já que não há uma política de preço de ingresso. A maioria dos entrevistados já costumava frequentar outras salas de cinema e cerca da metade passou a ir com mais frequência, o que leva à conclusão de que não há propriamente a inclusão de espectadores, mas o aumento de frequência entre aqueles que já tinham acesso. Do ponto de vista da programação, foi possível perceber uma total ausência de medidas de incentivo à presença do cinema nacional. Chegam aos cinemas apenas os filmes com grande número de cópias e forte aparato de divulgação, a maioria deles coproduzida pela Globo Filmes. Avaliamos que essas tendências decorrem dos processos de mercantilização da sociedade, que avança também sobre o Estado e sobre as políticas públicas; de espacialização, que contribui para o domínio de grandes conglomerados internacionais de mídia e para a falta de regulação estatal do setor; e de estruturação, que constrói hegemonia em torno do modelo comercial de produção, distribuição e exibição dos filmes, bem como da relação com a cultura pela via do consumo, não do exercício de um direito. O modelo de exibição multiplex tornou-se hegemônico no mundo e, além de depender de grandes investimentos, apresenta um alto custo de manutenção, especialmente porque está atrelado ao funcionamento em shoppings. Ao adotar esse modelo como foco, o CPV rende-se às prerrogativas do mercado e da lucratividade do negócio e não consegue atingir os objetivos de ampliar o acesso geográfico e financeiro dos espectadores. Por enxergar o cinema como prática de consumo, e não como direto à cultura, o programa não contribui significativamente para a diminuição das desigualdades de acesso e se esquiva de atuar sobre a falta de diversidade do conteúdo. Dessa forma, o CPV não só deixa de alcançar suas metas, mas também ajuda a reforçar modelos e práticas que se mostram prejudiciais à difusão do cinema nacional independente e a um acesso mais universal dos espectadores. |
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Bibliografia | BOTELHO, I. Políticas culturais: discutindo pressupostos. In: NUSSBAUMER, G. (org.). Teorias e políticas da Cultura: visões multidisciplinares. Salvador: EDUFBA, 2007, p.171-180.
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