ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | Figurino masculino no cinema latino-americano: análise de Tony Manero |
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Autor | Marina Soler Jorge |
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Resumo Expandido | O estudo do figurino tem sido relegado a um plano secundário nos estudos de obras cinematográficas latino-americanas. Além de se constituir como elemento considerado menos importante dentro do repertório fílmico, paira no senso comum a ideia de que apenas o figurino hollywoodiano é merecedor de interesse. No entanto, filmes com figurinos menos vistosos também devem ser analisados: por fazer parte da mise-en-scène, do enquadramento, da textura e do volume dos planos, da psicologia e da origem social dos personagens e da tonalidade geral de cada obra, as roupas são importantes mesmo em filmes nas quais elas não chamam a atenção.
Em muitos filmes do cinema latino-americano o figurino masculino é digno que grande interesse, sobretudo quando homens são protagonistas. Esses personagens podem usar camisetas pretas de bandas (Gigante e Durval Discos) como signos de imaturidade ou da relutância em crescerem, ternos e gravatas para melhor enganarem as pessoas quanto à sua respeitabilidade (Nove Rainhas e Mal dia para pescar) ou roupas que confundam o espectador quanto à época histórica representada de modo a sugerir a incapacidade dos personagens de se desligarem do passado ou darem um passo em suas vidas (O segredo de seus olhos e Whisky). Muitos desses personagens não trocam de roupa durante o filme, seja porque este se passa apenas em um ou dois dias (Nove Rainhas) seja por penúria mal disfarçada (Mal dia para pescar). O psicopata Raul, de Tony Manero, no entanto, usa a mesma calça, o mesmo casaco e a mesma camisa durante uma semana, mais exatamente entre o domingo no qual vai se inscrever para um programa de auditório e o domingo seguinte no qual apresenta ao público sua performance. Para a estudo do figurino no cinema latino-americano, trata-se de uma obra imprescindível, dado o próprio tema do filme, que consiste na obsessão do personagem por se parecer com o protagonista de Os embalos de sábado a noite vivido por John Travolta. Raul demonstrará uma indiferença sem limites em relação aos outros seres humanos e matará qualquer um que atrapalhar sua tentativa de incorporar Tony Manero. Como forma de sugerir a pobreza afetiva, intelectual e moral do personagem, Raul passa a semana inteira com uma única roupa (que só retira para imitar Tony Manero), colocando a gola pontuda para fora do casado como John Travolta e utilizando uma calça preta como o personagem de Embalos. A obsessão por Tony Manero, concretizada visualmente no uso do belo terno branco com camiseta preta, e o vazio do personagem quando ele não está imitando John Travolta, sugerida também pela ausência de qualquer outro repertório corporal, merecem uma análise aprofundada, sobretudo por se tratar de um filme que tematizará a ditadura de Pinochet. Violento, indiferente às pessoas, narcisista, impotente, vazio de conteúdo e identificado a um modelo estadunidense, Raul pratica seus crimes sem ser incomodado pelo Estado, que parece menos preocupado com as vítimas do personagem do que com seus colegas subversivos. Raul não tem trabalho de verdade e vive de explorar mulheres que sustentam sua fantasia em um espectáculo de dança decadente e amador. Como o Tony Manero original, Raul é desejado por estas mulheres e invejado pelos homens. Ao contrário do Tony Manero original, a atração que Raul exerce é inexplicável. O personagem de John Travolta progressivamente passa a se incomodar com a submissão das mulheres que o adoram e com a idiotia dos amigos que o idolatram, e percebe que está cercado de pessoas acéfalas. Raul, por outro lado, nunca se eleva em relação a seu ambiente descerebrado, ao contrário: ele parece estar em seu meio um país que se tornou alienado e decadente. A adoração dos que convivem com Raul é desprovida de racionalidade, e talvez nos remeta a um país que idolatra uma figura autoritária e violenta como seu líder. Quando Raul coloca sua fantasia de Tony Manero, o ridículo da obsessão e a distância em relação ao modelo original se revelam por completo. |
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Bibliografia | Boucher, François (2012). História do vestuário no ocidente. São Paulo: Cosac Naify.
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