ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | Do fluxo à encenação no cinema de Karin Aïnouz e Marcelo Gomes |
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Autor | JOÃO ROBERTO CINTRA NUNES |
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Resumo Expandido | “Sertão Acrílico Azul Piscina” (2004), um curta documentário sem fio-condutor ou narração, foi apresentado em sua sinopse como um “devaneio que revelava principalmente paisagens e costumes marcados pelo convívio do primitivo e do novo”. “Viajo porque preciso, volto porque te amo” (2009) o longa que se originou deste curta, é uma ficção feita a partir de artefatos documentais usados inicialmente no anterior. Ambos dirigidos por Marcelo Gomes e Karin Aïnouz, os filmes mantêm um diálogo de origem e concepção, mesmo formando peças audiovisuais distintas: a grande maioria das imagens captadas para o documentário são usadas no longa, mas agora sob o olhar de um protagonista-narrador.
Durante uma viagem de 40 dias, em 1999, quando foram captadas as imagens, Gomes e Aïnouz abandonaram o roteiro e a ordem de filmar feiras no sertão nordestino e decidiram registrar tudo o que os tocassem, com uma vaga ideia de como transformariam o material em filme. O que “Sertão” se tornou deixava evidente que desde sua concepção o filme se inclinava para a dimensão do sensitivo em primeiro plano: continuava a ser um documentário, entretanto, mais por conter registros captados do real, do que por haver fio-condutor, narração ou definição de uma “história” a ser contada. “Viajo”, por outro lado, tem no seu protagonista – José Renato, geólogo que narra em primeira pessoa a viagem em que cruza o sertão nordestino – um narrador sem rosto, um espectador como os que se entregaram ao curta: lançando-se pela paisagem, sentindo as pessoas, observando tudo, apenas ouvindo o som de seu próprio pensamento, mas, diferentemente do filme de origem, com uma meta, um rumo determinado pela viagem profissional – apesar de ter tal percurso tensionado o tempo inteiro pela sua condição sentimental interna. Este ponto nos move neste estudo: fazer uma análise comparativa sobre a construção narrativa dos dois filmes, em vista de sua origem comum, de modo a perceber a aproximação (ou o distanciamento) entre conceitos do cinema de fluxo e a construção de uma mise en scéne. “Como se pensar um cinema erguido a partir do sensível?” (Cunha, 2014). No curta não há significações diretas, mas sensações despertadas; no longa, estas imagens são hipersignificadas pela narração do protagonista. Apesar do longa por ser mais conhecido e ser citado como exemplo de cinema de fluxo, é em “Sertão” que conceitos sobre este tipo de cinema ganham mais relevância. O espectador é apenas lançado torrente de imagens e sons que invade a tela e se deixa descobrir. Os sentidos são aguçados, mas a falta de orientação evidente no filme evidencia não apenas o deslocamento evidente das várias situações mostradas, uma em relação à outra, mas também o espectador se sente deslocado, como um intruso nestas imagens, sem poder questionar mas apenas experienciar este transe sem explicação. “Viajo” parece ter uma falsa diluição da mise en scène, uma vez que a composição cênica não é fugidia, mas completamente controlada por cortes certeiros que mais imprimem significado às sequências – principalmente em “justificar”, endossar, a dor do protagonista – do que animam o espectador a fazer sua própria rota naquele devaneio. Mesmo quando o plano é estendido e sem cortes, a narração em off o segmenta e o ressignifica, para este propósito. Conclusões preliminares apontam que, apesar da origem comum do material fílmico, os dois filmes guardam entre si distância enquanto produto final. O curta é fruto de direto de uma experiência sensorial, de descobrimento por parte dos diretores, que traduz o escapismo destes, perdidos em um ambiente o qual não pertenciam. O longa tenciona os campos fílmicos de ficção e documentário durante todo o trajeto do protagonista, cujo grande fluxo é o do pensamento do protagonista, a subjetivação de sua narrativa que impregna significados objetivos (para a “trama”) as imagens, direcionando o olhar a cada corte. |
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Bibliografia | - BRANIGAN, Edward. Narrative Comprehension and Film. Routledge: London and New York, 1992.
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