ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | A mecânica do corpo e a inteligência da máquina |
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Autor | Cristian Borges |
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Resumo Expandido | Um dos filmes mais emblemáticos da relação entre dança e cinema continua sendo Balé Mecânico, realizado em 1924 pelo pintor francês Fernand Léger e o cineasta americano Dudley Murphy, com música original (ou “sincronismo musical”, como creditado no filme) de Georges Antheil. Mais do que qualquer outro filme feito até então, ele associa a movimentação frenética da modernidade naquele início do século XX – com a crescente mecanização da vida cotidiana associada a novos padrões de velocidade, além de ritmos sugeridos pelos meios de transporte e pela indústria em plena efervescência – ao movimento da máquina cinematográfica: a câmera e a montagem, que parecem incorporar mimeticamente o frenesi daquilo que é filmado. Curiosamente, o título evoca não apenas o aspecto mecânico da vida contemporânea, mas também uma dança, o balé.
A mecânica desse novo corpo urbano e fabril – próprio à dança matemática e à construção sinfônico-arquitetônica propostas por Orkar Schlemmer em seu Balé Triádico (Triadisches Ballett, 1922) – aparece igualmente em um filme de encomenda realizado por Willard van Dyke e Ralph Steiner, cujo título extremamente sucinto, Mãos (Hands, 1934), refere-se ao seu protagonista absoluto: as mãos dos trabalhadores e trabalhadoras em suas diversas tarefas cotidianas. Mas se, por um lado, o corpo humano aparece mecanizado nesses filmes, por outro, as máquinas são de certo modo “humanizadas”, podendo inclusive “dançar” através do cinema, em obras como o curta Princípios mecânicos (Mechanical Principles, 1930), de Ralph Steiner, no qual a pura movimentação de pistões, roldanas, manivelas e outros mecanismos industriais cria por si só uma dança bastante peculiar. Encontraremos uma variação dessa “dança das máquinas” no curta de encomenda que Alain Resnais realiza para uma fábrica de plásticos em 1958, O canto do estireno (Le chant du styrène), no qual se consegue a proeza de transformar os poucos humanos presentes no filme em meras engrenagens dentro da longa cadeia que envolve a produção do poliestireno, cujas partículas, por outro lado, “ganham vida” graças ao cinema. Jean Epstein, no livro A inteligência de uma máquina, publicado em 1946, já refletia sobre a forma como o aparato cinematográfico pode servir a pensar, funcionando não apenas como instrumento de uma arte, mas também de uma filosofia. Nele, discute-se, entre outras coisas, o paradoxo da continuidade/ descontinuidade inerente ao cinema. Numa época em que o específico fílmico era constante e ansiosamente buscado – pois dele dependia, em certa medida, a validação do cinema como arte e não apenas como uma forma de entretenimento de massas –, os primeiros teóricos franceses, muitos deles também cineastas (tais como Ricciotto Canudo, Louis Delluc, Germaine Dulac, Léon Moussinac, além do próprio Epstein), encontravam no movimento a chave para sua conquista. Essa “inteligência da máquina”, essa capacidade algo mágica e misteriosa que o cinema possui de captar a alma dos seres e das coisas, Jacques Aumont nomeará, num texto de 1998 sobre Epstein e sua noção de fotogenia, cinegenia – e poderíamos então dizer que uma pessoa é filmogênica. Refletindo sobre a cinegenia, ele concluirá que uma “estética da ascensão” do profundo (invisível) à superfície (visível) acaba convergindo, na história do cinema, para uma “estética da imitação”, pois espera-se sobretudo que a aparência das coisas seja captada pelo cinema, e não sua essência. |
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Bibliografia | AUMONT, Jacques. Du visage au cinéma. Paris: Cahiers du cinéma, 1992.
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