ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | Resistências à ditadura no filme "Que país é este?", de Leon Hirszman |
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Autor | Reinaldo Cardenuto Filho |
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Resumo Expandido | Entre 1976 e 1977, contratado pela emissora televisiva RAI (Radiotelevisione Italiana), Leon Hirszman dirigiu o documentário Inchiesta sulla cultura latinoamericana: Brasile. Traduzido para o português como Que país é este? e realizado em parceria com o jornalista Zuenir Ventura, o filme procurava traçar uma ampla releitura política da História do Brasil, indo do Descobrimento até os anos 1970, para isso articulando uma colagem de obras artísticas na herança do nacional-popular, a exemplo do filme Vidas Secas (1963), de Nelson Pereira dos Santos, ou da peça Gota d’água (1975), de Chico Buarque e Paulo Pontes. Assumindo um viés crítico em relação ao regime militar, o média-metragem, com cerca de 60 minutos, propunha uma recusa às abordagens triunfalistas que a ditadura propagandeava em torno de seu projeto conservador de modernização.
Estruturado a partir de depoimentos concedidos por Alfredo Bosi, Fernando Henrique Cardoso, Fernando Novais, Maria da Conceição Tavares e Sérgio Buarque de Holanda, intelectuais que à época mantinham algum nível de engajamento contra o governo autoritário, Que país é este? era um documentário de denúncia das nossas contradições sociais mais agudas, no qual Hirszman propunha a articulação de um “frentismo político-cultural” (NAPOLITANO, 2011) em luta pela redemocratização do Brasil. A despeito de ter sido concluído no primeiro semestre de 1977, conforme indicam documentos encontrados no Arquivo Edgard Leuenroth (AEL) da Unicamp, Que país é este?, no entanto, nunca seria exibido. Censurado pela própria RAI, que esperava do cineasta a realização de uma obra celebrativa sobre o carnaval e o futebol, o filme acabaria desaparecendo após o término de sua montagem. Inconformado com o destino de seu documentário, que ironicamente foi proibido de circular na Itália quando a ditadura era no Brasil, Hirszman tentou por meses, sem sucesso, obter uma cópia do média-metragem. Anos depois, ao que tudo indica, Que país é este? acabaria sendo destruído durante um incêndio que ocorreu nos arquivos da emissora. Partindo dos poucos documentos ainda existentes em torno do filme, como a transcrição de sua banda sonora, os esquemas de sua montagem ou o contrato de Hirszman com a RAI, pretendo analisar esse documentário, propondo uma reflexão sobre como o cineasta aproximou-se, no final dos anos 1970, de uma noção de resistência próxima àquela articulada pelo Partido Comunista Brasileiro. Embora ainda existam os curtas-metragens realizados por Hirszman entre 1974 e 1978, filmes dirigidos sob encomenda ou feitos com recursos financeiros escassos, o desaparecimento do documentário produzido para a RAI acabou por deixar uma lacuna no processo autoral que o cineasta vinha empreendendo no decorrer dos anos 1970. Com a perda de Que país é este?, surgiu na biografia de Hirszman o hiato de um produto artístico para o qual houve um investimento criativo que percorreu pelo menos um ano e meio de trabalho. Se essa ausência não pode ser preenchida, pois provavelmente o programa televisivo nunca será localizado, ela pode ser minimamente contornada a partir dos documentos que, produzidos à época, permitem hoje conhecer algumas camadas da obra inexistente O estudo dessas “cascas” (DIDI-HUBERMAN, 2013) de Que país é este?, desse material histórico restante, permite analisar como o realizador via no “frentismo político-cultural”, na arte do nacional-popular e no realismo crítico potências que poderiam contribuir para a desarticulação da ditadura. Questões, aliás, que depois reapareceriam em suas obras ABC da greve (1979-1991) e Eles não usam black-tie (1981). Estudar a materialidade remanescente de Que país é este?, desse filme no qual Hirszman retomava a figura do intelectual como mediador de uma resistência contra a ditadura, permite ampliar o conhecimento sobre a trajetória de um dos principais nomes do Cinema Novo, fazendo das pesquisas em acervos o processo para tatear aquilo que foi destruído pelos descaminhos da História. |
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Bibliografia | CALIL, Carlos Augusto. “O filme perdido de Hirszman”. In. Folha de S. Paulo, São Paulo, 8 out. 1995.
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