ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | O espectador de cinema e o espectador da cidade em “Walker” |
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Autor | Joana Paranhos Negri Ferreira |
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Resumo Expandido | Em seu ensaio “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”, Walter Benjamin identifica no cinema uma “arte a serviço de um novo aprendizado” (1936, p.33). Apontando para uma analogia clara entre o olhar no cinema e o olhar na cidade, o filósofo afirma que o homem urbano, imerso na vivência do choque, teria no cinema um meio de exercitar suas percepções através da rápida sucessão de suas imagens que condicionaria o modo de apreender o fluxo de informações efêmeras da metrópole.
Caminhando em uma direção semelhante, Jonathan Crary concentra-se na atenção como uma questão fundamentalmente moderna pois, ao mesmo tempo que o capitalismo industrial enfraquecia qualquer noção de percepção estável, ele também impunha um regime disciplinar que exigia a mudança brusca de atenção de uma coisa para outra. Assim sendo, o pesquisador identifica, em coevoluçao ao capitalismo, toda uma gama de dispositivos óticos – incluindo o cinematógrafo - que visam disciplinar o olhar. Ambas as perspectivas apontam para o potencial pedagógico do cinema e também para o caráter histórico intrínseco a maneira como o indivíduo experimenta o tempo. Em oposição ao ritmo orgânico e lento da vida rural, o ambiente urbano moderno implicou um mundo acelerado. Diante de uma nova cultura visual que brotava, o desafio era selecionar o que perceber diante da velocidade de tantos estímulos solicitados e não solicitados que proliferavam pela cidade. A contrapartida é que muitas vezes se olha, mas não se vê – ou melhor, vemos apenas os clichês como denunciou Deleuze -, pois o olhar solicita uma duração diferente da simples apreensão visual. A partir das análises de Benjamin e Crary, podemos observar no cinema hegemônico contemporâneo uma reafirmação de tal lógica de atenção. Os blockbusters hollywoodianos primam pela velocidade e pela montagem como âncora de suas narrativas. O ritmo frenético das imagens solicita um aparelho perceptivo devidamente treinado para deslocar a atenção do espectador entre as imagens. Mais ainda, o choque da passagem se dá de forma quase imperceptível. O cinema, aqui, não opera no sentido de um ver a mais. Ao contrário, a percepção visual é diluída e o tempo do olhar se contrai. Neste contexto, propomos analisar o filme “Walker” (2012), de Tsai Ming-Liang e o impacto de sua recepção. O curta de 25 minutos é composto por 21 longos planos onde um monge caminha a passos lentos em meio ao movimento cotidiano da cidade de Taiwan. O descompasso temporal é evidente e duplo pois denuncia um desencontro de temporalidades não só entre o tempo do monge e o tempo da cidade mas entre o tempo do cinema de Tsai e o tempo do próprio cinema atual. Daí o estranhamento do espectador diante da lentidão que é, para o diretor, “um ato de rebeldia”. “Walker” é uma obra onde a espessura do tempo se torna quase insuportável, apresentando-se como um desafio à percepção. O malaio reportou em entrevistas comentários de espectadores irritados com a figura do monge, sugerindo que ele fosse “empurrado” tamanho o incômodo que a experiência do curta foi capaz de transmitir. Sob esta perspectiva e dialogando com Benjamin, o cinema aparece aqui novamente a serviço de um (re)aprendizado. Em oposição à “atenção distraída” identificada como própria do cinema por Benjamin, “Walker” requer uma percepção atenta. A atenção do espectador passa por diferentes estágios – flui e reflui - até ser capturada pelo ritmo mental singular do filme. O movimento da cidade é eclipsado pela passada lenta e interiorizada do monge. Há um caráter pedagógico onde o foco de atenção do espectador é no que pouco se move – o monge – em contraposição aos ditames comerciais que se concentram nos momentos de ação. Nesse sentido,também cabe citarmos, em nossa análise, o curta “Five”, de Abbas Kiarostami. Nos interessa, portanto, pensar como tal leitura fílmica pode engendrar novos modos de ver, uma vez que o espectador de cinema também é um espectador da cidade. |
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Bibliografia | AMOUNT, J. O olho interminável: cinema e pintura. São Paulo: Cosac & Naify, 2004.
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