ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | Procedimentos de corte e repetição: poesia, cinema e intermidialidade |
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Autor | Carla Miguelote |
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Resumo Expandido | Neste trabalho, investigo aproximações entre poesia e cinema na contemporaneidade, momento fortemente marcado por práticas intermidiáticas. Tomo como ponto de partida para estas reflexões o livro “Um teste de resistores” (2014), da poeta carioca Marília Garcia. Agenciando uma rede de discursos teóricos, práticas de escritas e estéticas fílmicas, o livro suscita também a discussão em torno da intermidialidade, ao articular o vídeo, a poesia e certas tendências da arte contemporânea.
A constelação de cineastas com a qual Marília Garcia dialoga – Jean-Luc Godard, Chris Marker e Chantal Akerman – atesta uma atenção voltada para práticas audiovisuais em diálogo transversal com a escrita literária, levantando questões que passam ao largo da adaptação. O recorte desse corpus cinematográfico de eleição nos alerta para o fato de que não se pode falar da relação entre a poesia e o cinema, em geral, mas apenas entre certa poesia e certo cinema, posto que essas artes são mutáveis e plurais. Há que se investigar, portanto, os diversos modos de relação que as duas artes assumiram em diferentes períodos da história e atentar para os trânsitos que são característicos do momento contemporâneo, de hibridação entre linguagens, de apagamento das fronteiras tradicionais, e de forte apelo à memória e ao arquivo. Uma das questões fulcrais levantadas pelo livro de Garcia remete ao texto “O cinema de Guy Debord”, de Giorgio Agamben. O pensador italiano define a montagem como o paradigma da técnica composicional dos trabalhos cinematográficos de Debord. Segundo o filósofo, répétition e arrêt (que a poeta traduz por “corte”, mas que também pode ser traduzido por “parada”, “paragem” ou “pausa”) são as condições de possibilidade da montagem. E o que caracteriza o cinema de Debord é o fato de trazer esses transcendentais para primeiro plano, exibi-los enquanto tais. Algo que, como afirma Agamben, Godard também fará depois, em suas História(s) do cinema. Trata-se de fazer filmes com as próprias imagens do cinema, ou dos telejornais ou da publicidade, imagens, de todo modo, previamente filmadas. Ou seja, trazer a montagem para primeiro plano é fazer filmes sem filmar, apenas montando. Marília Garcia desloca as reflexões de Agamben para pensar o corte e a repetição na poesia, lembrando que um procedimento semelhante está em jogo em textos que o poeta e artista francês Franck Leibovici chama de “documentos poéticos” - textos que trabalham com um material preexistente. Garcia também faz uso do procedimento, mobilizando-o numa perspectiva intermidiática. Em seu vídeo “a garota de belfast ordena a teus pés alfabeticamente”, a poeta articula dois tipos de materiais pré-existentes, textuais e fílmicos. O vídeo, para o qual o livro fornece o link do youtube, justapõe imagens do filme Je, tu, il, elle (1975), primeiro longa-metragem de Akerman, com versos em ordem alfabética do livro A teus pés, de Ana Cristina Cesar. Pretendo abordar tais práticas - poéticas, audiovisuais, intermidiáticas -, circunscrevendo-as no âmbito do que Nicolas Bourriaud (2002) chamou de arte da “pós-produção”. O curador, crítico e ensaísta francês propõe o conceito a fim de compreender o que está em jogo em uma tendência crescente no campo das artes desde a década de 1990. Bourriaud se refere a práticas artísticas que se servem de trabalhos pré-existentes, reinterpretando, reproduzindo ou recontextualizando elementos do patrimônio artístico e cultural. No vocabulário audiovisual, do qual o termo é oriundo, “pós-produção” denota a última etapa do processo de criação audiovisual, em que se trabalha sobre o material já gravado: é o momento da montagem. Se o termo ajuda a compreender um processo que se estende ao universo da arte e da poesia contemporânea, talvez seja porque os dois procedimentos que Agamben considera fundamentais no cinema, o corte e a repetição, passaram a ser fundamentais também em outras práticas artísticas. |
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Bibliografia | AGAMBEN, Giorgio. O cinema de Guy Debord. Disponível em: http://www.intermidias.blogspot.com.br/2007/07/o-cinema-de-guy-debord-de-giorgio.html. Acesso em 12/02/2015. Acesso em: mar. 2013.
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