ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | O DOCUMENTÁRIO PERFORMÁTICO CONTIDO NO FILME "TERRA DEU, TERRA COME" |
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Autor | RAFAEL ROSINATO VALLES |
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Resumo Expandido | Como relacionar o ato performático com o registro documental? O documentário possui na sua essência um sentido performático ou isto somente foi assumido no contexto das produções contemporâneas? É possível relacionar o outro referente as produções documentais com o eu existente no cinema experimental e na performance art?
Pensar a alteridade no cinema documentário é uma questão problemática e ao mesmo instigante. Entender as abordagens assumidas frente ao outro na produção documental é um caminho não somente para entender sua essência, mas suas transformações ao longo dos tempos. Cogitar, por exemplo, esta relação entre performance e documentário chegou a ser impensável durante muito tempo. Questões como ato performático, intervenção ou experiência vivencial-sensorial se concentravam no campo da performance e videoarte. Tanto é assim que a expressão documentário performático somente viria a surgir dentro de um contexto da produção contemporânea que está buscando problematizar a questão da alteridade e da posição do realizador frente ao registro. Buscar uma definição tanto para o que é performance quanto para o que pode ser cinema documentário se torna algo transitório, já que ambas áreas dependem do enfoque, ponto de vista ou recorte que se decida delimitar para abordá-los. Isto por outro lado, revela como ambas modalidades buscam reinventar-se com o transcorrer do tempo, ampliando seu campo de percepção, longe de uma posição estanque. Na busca por uma definição sobre performance art, podem se identificar três tendências: o processo pelo qual o performer vivencia o ato performático como algo efímero, irrepetível, aberto ao conceito do acaso enquanto parte integrante; a intervenção como ato em espaços públicos, grupos, indivíduos ou sobre si próprio, com o intuito de romper o sentimento de cotidianeidade; a mescla entre o real e o imaginário enquanto ato de criação na sua relação com o vivencial, sem pretender delimitar onde começa um (o real) e termina o outro (o imaginário). Quanto ao documentário, este se apresenta como uma modalidade discursivo histórica, que está intimamente ligada a um contexto sócio-político e sobretudo a construção de um ponto de vista do realizador sobre o que pretende abordar. O documentário é uma arte de estabelecer relações, de evidenciar uma relação de alteridade que ocorre dentro do próprio registro. Se torna igualmente relevante entender que a criação se encontra presente na essência do documentário, problematizando assim o imaginário que tanto o marcou como o ato de documentar a realidade como ela é. É partindo desta problemática que o performático na realização documental busca uma afirmação, sem entrar mais na discussão entre o que é real e o que é criado, mas discutindo novas formas para se relacionar com este real. O documentário "Terra deu, terra come", de Rodrigo Siqueira é um bom exemplo desta questão. No centro deste filme esta Pedro de Alexina, um dos últimos cantadores de vissungo, as cantigas em dialeto banguela, que eram entoadas pelo africanos e seus decendentes para carregar os mortos. O filme propôs a Alexina que ele representasse um velório e um enterro como forma de evocar fragmentos de memórias da passagem africana no interior do estado de Minas Gerais. A começar pela sua estrutura narrativa, Rodrigo Siqueira dirige o documentário a uma crença em algo que ao final se revela não ser o real, mas sobretudo, uma evocação ritualística deste real. Para alcançar este ponto de giro, Siqueira construiu um documentário onde o real inevitavelmente deve ser constituído pelo imaginário e por uma recriação de antigas tradições dos antepassados de Alexina. O real está na sua busca performática, na mescla entre vivência e criação, através do ato performático de Pedro de Alexina e da interação que se estabelece com o realizador. Esta mescla entre documentário e performance, termina revelando que o real pode ser uma soma entre fatos, imaginário, criação, fábula e, sobretudo, crença. |
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Bibliografia | BELLOUR, Raymond. Entre-Imagens. Foto. Cinema. Video. São Paulo: Papirus Editora, 1997.
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