ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | Cinema é cachoeira, streaming e torrent |
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Autor | Paola Barreto Leblanc |
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Resumo Expandido | Quando Humberto Mauro em 1973 definiu: “cinema é cachoeira”, a noção de rede ainda não havia despontado no horizonte da realização de filmes. Se o sentido heraclítico da assertiva permanece (pois nunca assistimos ao mesmo filme, com o tempo muda o filme e mudamos nós, de forma análoga a uma torrente ou curso d'água), hoje o “dinamismo, a beleza e a continuidade eterna” não podem mais ser entendidos apenas como alegoria ou metáfora de uma potência da natureza.
Passado meio século, a declaração do realizador brasileiro adquire nova dimensão, na medida em que o curso d'água, stream, na tradução para o inglês, e a torrente, ou torrent, não são simplesmente figuras de linguagem, mas denominações de modos de compartilhamento de imagens em rede, em práticas consideradas em muitos casos ilegais, na medida em que desafiam estruturas estabelecidas para distribuição e exibição de filmes. Assim como a água, confirmando os piores pesadelos da ficção científica, torna-se um bem escasso em certas metrópoles, as “torneiras” dos torrents e streamings são reguladas por interesses comerciais e políticos. O streaming define um processo através do qual mídias são reproduzidas à medida em que são transmitidas on-line, em tempo real, sem que haja necessidade de armazenamento local. De forma distinta, os arquivos de torrent definem um tipo de compartilhamento no qual usuários-interatores trocam dados remotos, podendo acessá-los, inclusive off-line, após o descarregamento completo em seus terminais. Ambos têm em comum o fato de dependerem da largura da banda, da velocidade de conexão e da quantidade de usuários conectados às plataformas de compartilhamento, constituindo-se como casos do que poderíamos definir como cinemas em rede, onde, em teoria, qualquer um com acesso a uma conexão pode se tornar um ponto de difusão e recepção, proporcionando fluxos de filmes multitudinários. Em teoria, pois, como sabemos, a regulação sobre o compartilhamento de imagens é um campo em disputa não somente técnica ou estética, mas judicial e criminal. Na torrente de imagens que inunda continuamente a internet e no crescente fluxo de dados que se avolumam nos servidores da rede mundial de computadores, operações de montagem e justaposição ocorrem de formas automatizadas, mas não neutras. No modo como operam os mecanismos de busca e apreensão de imagens, a noção de filme assim como a de autoria passam por transformações profundas. Propomos aqui uma investigação acerca do cinema de rede que aponta para os fluxos, buscando de que formas podem ser significativos, e como as imagens que daí emergem orientam leituras. São imagens para serem lidas, mais do que vistas, e neste cenário a autoria passa a ser compreendida como uma curadoria que coleta, armazena e processa dados, segundo um modelo cibernético onde prevalece menos a noção de um filme realizado por um gênio criador e mais a ideia de uma máquina moderadora da atividade de compartilhamento produzido coletivamente. Os paradigmas da identificação, do ilusionismo e da mimese não se aplicam neste novo regime. Trata-se de um modo de leitura das imagens por outras vias, onde nos auxiliam a arqueologia da mídia e a análise do discurso. De maneira hegemônica o cinema deixou-se dominar pelo paradigma da verossimilhança, onde a característica fenomenológica da câmera plasmar o real colocaram-no como tributário da perspectiva renascentista. Neste modelo a sensibilidade do filme é medida em grãos de prata ou, mais recentemente, na quantidade de pixels do material sensível: 2K, 4K, 10K são as promessas do futuro do cinema. Mas porque o futuro do cinema deveria ser medido em termos de resolução? A quem, além da indústria que se alimenta da obsolescência programada da tecnologia, interessa este modelo? Neste artigo analisaremos criações audiovisuais que utilizam o streaming e o torrent para pensar novos modelos de cinema, um meio que, como afirmou categoricamente o teórico francês Andre Bazin, ainda não foi inventado. |
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Bibliografia | FLUSSER, Vilém. Até a terceira e quarta geração. Vilém Flusser Archiv, Berlin – no. de referência 1 – GER – 04 1359.
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