ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | Cao Guimarães: por uma escrita que se faz enquanto se pensa |
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Autor | Rafael de Almeida |
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Resumo Expandido | Motivados por continuar refletindo sobre os resultados encontrados durante pesquisas anteriores, cremos ser pertinente traçar algumas linhas que uma análise de conjunto da obra de Cao Guimarães nos permitiria reconhecer.
O apelo estético talvez seja a primeira característica que salta aos olhos de qualquer um que se depara com o trabalho do cineasta. Sua atenção para a potencialidade poética dos gestos das formas-de-vida no mundo e, em especial, o modo como agencia os elementos que compõem suas narrativas é o que nos afeta, e seduz, em um primeiro instante. Ou seja, antes de se aprofundar, por meio da verbalidade, nos objetos temáticos que são base de criação para suas obras; importa ao cineasta a maneira como a exposição deles é realizada, a forma que o olhar do artista alcança a superfície do que vê e a materializa. De tal maneira, acreditamos que refletir acerca de seu tratamento formal e estético é uma maneira de pensar também sobre as ferramentas das quais se vale o cineasta para imprimir seus discursos, declaradamente líricos; de pensar o que a forma nos diz de si mesma e do mundo. A nível de síntese, se nos propuséssemos a elencar as figuras estéticas que consideramos mais relevantes nessa análise de conjunto da obra do cineasta, e as relacionássemos às reverberações que as aproximam, direta ou tangencialmente, à forma ensaística do cinema perceberíamos que: a) a partir da colagem, passamos a compreender o corte como interstício, isto é, como espaço para colocar o pensamento no interior das imagens que substitui a simples associação delas; b) a mescla de suportes revela uma reflexão sobre o caráter metamórfico das imagens, ou seja, sobre a matéria a ser moldada na construção do discurso; c) a exploração de materiais de composição provenientes da natureza insere visualmente uma reflexividade personificada na figura do artista, e expõe, em outra mão, o interesse de imprimir uma voz pessoal, de um modo geral, que busca seu lugar entre as imagens; d) a disjunção imagético-sonora, com suas colisões entre as duas bandas, gera fraturas que instauram a dúvida e convocam a existência de um espectador ativo e crítico; e) a temporalidade dilata demonstra uma tentativa de captar e eternizar o mutável, o efêmero e o transitório; f) a montagem de proposições instala tal intervenção fora das convenções espaço-temporais, e a caracteriza efetivamente como uma operação do pensamento; g) por fim, a noção de dispositivo denotam a abertura para o acaso e o interesse pelo processo. Enquanto traçamos as linhas acima, revendo, reafirmando e aprimorando muito dos apontamentos que elaboramos em textos anteriores, nosso interesse foi de evidenciar, aos poucos, o quanto o trabalho do artista apresenta uma inflexão ensaística que, ao mesmo tempo, revela uma série de implicações políticas latentes nos discursos construídos. Ou seja, pensamos que a forma ensaística assumida por Cao, em níveis muito variáveis no conjunto das obras, articula a forma e a estética com o histórico e o político. Principalmente pela capacidade das obras em favorecer transformações na maneira em que percebemos e compreendemos o mundo e criar diferentes formas de experiência com o sensível, que através de uma tomada de consciência podem nos levar à mobilização política. Pensamos que ao valorizar elementos que pertencem à ordem do banal, do ordinário, do cotidiano (Da janela do meu quarto); ou eleger como personagens indivíduos que resistem à lógica de trabalho imposta pela lógica do capital (O fim do sem fim, A Alma do Osso, Andarilho); ou tratar da necessidade de reeducar a visão, resistindo à lógica do espetáculo e ao bombardeio de imagens (Histórias do não-ver); ou, ainda, ao se dedicar às gambiarras e à resistência aos modos convencionais pelos quais atua nosso pensamento (Mestres da Gambiarra); sobretudo, cria dispositivos artísticos que induzem a processos de subjetivação política enquanto nos propõem o aprimoramento de nosso olhar. |
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Bibliografia | ALMEIDA, Rafael de. O estatuto político da amizade: A alma do osso, de Cao Guimarães. Galáxia (São Paulo. Online), v. 25, p. 111-122, 2013.
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