ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | Poesia como medium a partir da pintura e do cinema silencioso |
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Autor | CIRO INACIO MARCONDES |
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Resumo Expandido | Como se opera um conteúdo poético a partir de uma relação de intermedialidade? Esta é uma pergunta difícil já que mesmo contemporaneamente não há um consenso sobre do que se trata, em termos de mecânica do pensamento e percepção, a poesia. Se considerarmos que ela é uma frequência ou modelo de percepção, seria justo pensar que a poesia está no espectro da intermedialidade, ou que ela própria seria um tipo de medium. A partir da afirmação de Kittler de que “a medium is a medium is a medium. Therefore it cannot be translated”, podemos começar a pensar um dispositivo que acione a maneira como a poesia funciona enquanto medium.
Para dar conta deste problema, interessa-nos investigar a poesia fora de sua zona de conforto literária, e problematizá-la a partir da fricção com outros media, tais quais o cinema e a pintura. O caso do Impressionismo nos interessa. Aumont e Godard nos informam que a obsessão pelo controle da incidência da luz e de sua recepção óptica pelo olhar humano levou à criação do movimento impressionista e, como sua consequência, à criação do cinema, o que os fez considerar Lumière como “o último impressionista”. Entre 1914 e 1926, já no fim de sua vida e em pleno auge da era silenciosa do cinema, Claude Monet, um dos primeiros impressionistas, pinta uma última série de nymphéas, grandes painéis panorâmicos que funcionam como testamento final de sua relação com a pintura e a natureza. Inspiradas em seus jardins na cidade de Giverny, estes painéis mostram, de maneira extremamente rarefeita, a superfícies das águas e plantas. Profundamente contemplativas e imersivas, estas obras parecem trazer uma cinética própria de um cinema ancestral, vinculado a um conteúdo poético manifesto nestas imagens de superfície pura, de pura visualidade. Da mesma maneira, entre 1925 e 1931, anos que passou filmando aleatoriamente, o cineasta experimental americano Henwar Rodakiewicz realiza Portrait of a young man, também espécie de testamento zen. Neste filme vemos um desfile totalmente silencioso de belas imagens de plantas, das águas e do céu, em uma montagem de sentido também impressionista que busca o poético a partir de seu contato com a imagem, e não com a palavra. É a partir da relação entre estes dois conjuntos de obras, da ideia pasoliniana que afirma que o cinema é a “língua escrita da realidade”, e também da possibilidade de existência de poesia como medium fora da palavra e dentro da imagem (tendo o zen como seu corolário), que discutiremos as questões acima apresentadas. Esta tendência em associar poesia, abstração e silêncio já está presente em Susan Sontag, quando ela afirma que a arte moderna apontou sempre para a dissolução da forma como uma maneira de se aproximar da comunicação através do silêncio (Cf. SONTAG, 2002). Da mesma maneira, Georges Roque afirma que a motivação principal para a arte abstrata é criar dentro de uma linguagem poética (Cf. ROQUE, 2003, p.19). Por fim, o pensamento de Max Picard ratifica a ideia de que o sofrimento, o silêncio e a quietude são meios para se intuir o divino (Cf. PUKNAT, 2001, p.381). Se estas ideias posicionam o silêncio como vetor para uma comunicação poética, a imagem do cinema em Rodakiewicz, isolada de qualquer contexto, desprovida de sonoridade e potencializada por uma tendência à abstração, encontra um eco definitivo na dissolução da realidade proposta pelo impressionismo radical do final da carreira de Monet. Neste sentido, o cinema silencioso, longe do ruído comunicacional trazidos pela música e pelo código verbal, se aproxima de uma comunicação profunda, que não se materializa e nem comporta o aprisionamento em um sistema semiótico. |
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Bibliografia | AUMONT, Jacques. O olho interminável [cinema e pintura]. Trad. de Eloisa Araújo Ribeiro. São Paulo: Cosac Naify, 2004.
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