ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | Em busca de uma estética do pós-humano |
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Autor | Lucas de Castro Murari |
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Resumo Expandido | No circuito da arte contemporânea, realizadores audiovisuais cada vez mais esgarçam as propriedades habituais de registro e encenação. Os trabalhos do Laboratório de Etnografia Sensorial (SEL) da Universidade de Harvard são sintomáticos nesse ponto. Esse grupo de cinema experimental busca combinações inovadoras tanto no que se refere a estética, quanto a etnografia. O embate entre a natureza e cultura, o animal e o humano, em suma, as dimensões do mundo animado e inanimado são problematizados pelas obras, como em Sweetgrass (2009) e Manakamana (2013).
Gostaríamos de privilegiar o filme Leviathan (2012), realizado por Lucien Castaing-Taylor e Véréna Paravel, ambos antropólogos e artistas do laboratório. Esse é um documentário de observação caleidoscópica sobre um barco de pesca comercial. A lógica de captura das imagens e dos sons escapa da linguagem cinematográfica padrão comumente associada a esse tipo de investigação etnográfica. Os planos, feitos em longas tomadas, apresentam perspectivas inusitadas de um navio em alto mar, que fogem de qualquer enredo ou diário de bordo. Os aspectos analíticos e discursivos caros a antropologia e ao documentário de cunho jornalístico são substituídos por intensidades de experiência estética, com a câmera autônoma e à deriva nesse rico microcosmo. O visual é instável, trêmulo e registra as atividades do navio a partir de ângulos internos extremos, ou mesmo fora dele. Em muitas das sequências, a câmera está mergulhada na própria água, captando vistas puramente abstratas. Valoriza-se com isso à plasticidade das imagens, muitas delas sem figuração reconhecível. Esse tipo de proposta coloca Leviathan no âmbito do pós-humano, relativizando a centralidade do homem. Essa é uma questão importante nos debates filosóficos recentes. Para Deleuze e Guattari (2010), assim como para Jacques Derrida (2002) e Michel Foucault (2000), outros pensadores pós-estruturalistas da mesma geração, é importante recusar a ideia do homem como dado central no pensamento. Uma das linhas de fuga dessa abordagem é a partir de questões extraídas do universo animal. Derrida, em O animal que logo sou (2002), expôs como a categoria animal indica a ausência de singularidade humana, isto é, a linguagem, consciência, racionalidade. O animal a que se refere não é nenhum animal em específico, mas antes o aspecto não humano. Seu próprio entendimento de gramatologia, uma de suas principais problematizações conceituais, parte disso. Ele diz que ela “não deve ser uma das ciências do homem, porque coloca de início, como sua questão própria, a questão do nome do homem” (DERRIDA, 2008, p. 104). Para Deleuze, o trabalho do zoologista Geoffroy Saint-Hilare se torna fundamental nessa interação com o universo animal. O filósofo cria uma série de conceitos em ligação com o pensamento não humanista: captura, ritornelo, devir-animal, etc. No que se refere a teoria do cinema, Raymond Bellour (2009) tem abordado questões semelhantes a partir da ordem pré-simbólica e pré-linguística do meio em questão. A relação dos fenômenos de Leviathan é entre o universo do oceano, as máquinas do navio e os pescadores. Essa tensão possibilita uma tipologia de experiência sensorial, que lida com o conflito entre o humano, o animal e as forças da natureza. Em última consequência, é uma reconfiguração da abstração cinematográfica, que se torna uma prática heterogênea no contexto contemporâneo. Essa intelectualização da imagem, em diálogo com o tratamento sonoro, potencializa os aspectos estéticos. O conceito de diagrama, desenvolvido por Deleuze (2007) auxilia no entendimento do modus operandi do filme. Esse efeito é como uma catástrofe ocorrida na tela, uma força que usa o acaso como instaurador da sensação. É um modo de criação preocupado com o pathos do sensível, e não com a representação. O documentário de Lucien Castaing-Taylor e Véréna Paravel apresentam elementos instigantes para discutir uma estética do pós-humano. |
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Bibliografia | AGAMBEN, Giorgio. O aberto: o homem e o animal. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.
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