ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | Por uma autobiografia não autorizada e seus interstícios políticos - D’est e Là-bas de Akerman |
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Autor | Roberta Veiga |
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Resumo Expandido | O modo como se apanha a dimensão política na obra marcadamente pessoal de Chantal Akerman tem seguido principalmente três caminhos. O primeiro se instaura nos anos 70 com a construção, tanto formal quanto temática, do lugar da mulher em filmes como Je tu il ele, de 1974 e Jeanne Dielman, 23 Quai du Commerce, 1080 Bruxelles, de 1975, que ensejam uma virada na leitura feminista do cinema. O segundo modo está relacionado à forma como o pós-estruturalismo, no final dos anos 60, concedeu um olhar histórico e político ao cotidiano, espaço fílmico por excelência das obras de Akerman. Finalmente, o terceiro liga-se peso histórico da própria biografia da cineasta cujos pais estiveram no campo de concentração durante a Segunda Guerra Mundial. Dessas três formas que a dimensão política se manifesta na obra de Akerman, nos interessa mais de perto as duas últimas, porém não pensadas como um a priori, mas capturadas na instituição do eu pela escrita fílmica de dois documentários (como são chamados pela crítica) bastante diferentes entre si, D’est (1993) e Là-bas (2006).
O objetivo é pensar como, de modo diferente, é possível um gesto autobiográfico da autora que, instalado no presente contínuo do espaço cotidiano, evoca camadas temporais outras, figuras de memórias que a coloca em relação a um passado coletivo, e uma alteridade que lhe é estranha, ainda que familiar, principalmente, pela figura da mãe. Trata-se de pensar como o eu se institui num mecanismo expressivo que gera uma ambiência estética, uma forma sensível de olhar, que permite a presentificação do passado menos como um fardo histórico já dado que a biografia da cineasta carrega e mais por meio de uma “autobiografia não autorizada”. Tal expressão é um jogo de palavras com a noção de biografia autorizada comumente usada para referir-se a obras literárias que recuperam a história de um individuo em particular sem o conhecimento e autorização do mesmo. Mas como uma autobiografia que se constitui pela escrita do próprio sujeito sobre si mesmo poderia ser não autorizada? A ideia de autorizada nesse caso seria o controle do autor, cineasta e personagem, sobre sua escrita, sobre a forma como o eu está sendo construído filmicamente. Nesse sentido uma autobiografia não autorizada se qualificaria por um gesto que escapa ao controle do próprio autobiografado, uma vez que não obedece a uma narrativa clara, não lida com as memórias de forma a concatena-las num enredo orgânico e racional, mas que se escreve na instituição do dispositivo cinematográfico que delimita certos procedimentos, porém é contingencial e se abre para o descontrole daquele que o engendra e a indeterminação do eu-personagem. O não autorizado se relaciona à ideia de Paul De Man acerca da desfiguração da autobiografia que considera, em oposição a Philippe Lejeune, todo gesto autobiográfico instaurador de duplicidade: um sujeito informe, que precisa de um eu, e a máscara que, uma vez criada, o desfigura, tornando a matéria escrita um “vazio deformado”, o intervalo entre o eu e a máscara. (CATELLI, 2007, p.227). Nossa hipótese é que Chantal Akerman, tanto em Là-bas quanto e D’est, seja na intimidade da sala de um apartamento em Tel Aviv ou nas ruas da Polônia, constrói uma autobiografia não autorizada, mais ou menos indireta, que dificulta a passagem histórica nos moldes tradicionais, barra uma volta ao passado coletivo, fazendo com que os aspectos históricos e políticos sejam interstícios que se esgueiram através das opções formais e expressivas que o mecanismo de si engendra no filme. Provocando assim, uma temporalidade que não é mais o passado ele mesmo, nem o presente ele mesmo, mas um encontro de ambos. Para Lebow, o gesto de Akerman remete ao estilo autobiográfico benjaminiano, mais afeito aos “espaços, momentos e descontinuidades”, na qual as ressonâncias do passado são como buscas infrutíferas que ocorrem no processo (2003, p. 37). |
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Bibliografia | BLANCHOT, M.; HANSON, S. Everyday Speech. Yale French Studies, n. 73, 1987.
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